terça-feira, 17 de junho de 2025

Paradoxos e cacoetes

Pós-redes o mundo tornou-se hostil: fraudes, mentiras e armadilhas espreitam a cada passo. Ou será que foram os humanos? Clima propício a propostas apressadas, visando a minimizar nossos riscos. A prudência recomendaria mais cautela: “Festina Lente”, diria o imperador Augusto: “apressa-te devagar”. Trocou-se a prioridade? Parece agora ser menos importante a busca do agente causador o dano, do que criar formas que impeçam a sua ação. Ao invés de buscar caçar o lobo que abusa, prefere-se cercar e isolar a floresta onde ele viveria, mesmo sabendo que há seres inocentes habitando lá.

Na discussão sobre o artigo 19 do Marco Civil, é importante uma pequena digressão: fonte de sua inspiração foi também a seção 230 do “Communications Decency Act” norte-americano de 1996, 18 anos antes da promulgação do Marco Civil em 2014. E, já em 1998, o DCMA “Digital Millenium Copyright Act” abria uma exceção à proteção que o 230 trazia às plataformas: a alegação de “infração a direito autoral” faria com que o conteúdo fosse removido, sem necessidade de ordem judicial. Aliás o Marco Civil também prevê exceções, como da divulgação não autorizada de imagens de nudez. Nos EUA tentou-se expandir a ação deste “notifique e será removido” (notice and takedown) quando, em 2011, os famosos casos do SOPA (Stop Online Piracy Act) e do PIPA (Protect IP Act), se propunham a remover conteúdos, nomes de domínio, etc. Isso poderia trazer uma onda de censura e auto-censura, que deformaria a internet. A comunidade internmet se alvoroçou! Em 2012, em movimento uníssono, usuários e plataformas rejeitaram o “notice and takedown” - a própria Wikipedia removeu por 24 horas seu conteúdo em inglês, como forma de protesto. Alguns países adotaram medidas intermediárias, a partir da idéia de remoção por notificação. Caso interessante é o do Canadá, com o “notice and notice”: quando uma plataforma recebe uma reclamação sobre um conteúdo, ela é repassada ao autor, mas mantem-se o conteúdo no ar. - caberá ao autor decidir se prefere removê-lo e não correr riscos legais, ou se o preservá-lo, independentemente da reclamação.

Fechar a floresta não elimina o lobo, apenas o desloca. Diógenes de Sinope, com ironia, ensinava que não são as muralhas que protegem a cidade, mas a concórdia entre os cidadãos (Diógenes Laércio, VI.20). Ou seja, é a educação e a ética que geram qualidade na convivência social, no diálogo e no respeito mútuo. O caminho mais seguro não é alçar entidades em censores preventivos, mas sim responsabilizar os agentes pelos seus próprios atos, com processo e aplicação firme da lei. Isso inclui indivíduos e empresas, especialmente as que conhecem e se valem do conteúdo que recebem. Soluções rápidas costumam gerar remédios piores que a doença, erodindo a própria vitalidade democrática que pretendiam proteger. Há que se lidar com as consequências da liberdade, não eliminá-la em nome de uma segurança absoluta, que não existe. Como diriam na Atenas antiga, avançamos na “techne”, mas talvez tenhamos retrocedido na “phronesis”.

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https://www.estadao.com.br/link/demi-getschko/censura-nao-e-o-caminho-para-internet-segura-e-preciso-responsabilizar-agentes-por-seus-atos/

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Communications Decency Act
https://www.internetsociety.org/blog/2023/02/what-is-section-230-and-why-should-i-care-about-it/

SOPA
https://pt.wikipedia.org/wiki/Stop_Online_Piracy_Act

PIPA
https://pt.wikipedia.org/wiki/PROTECT_IP_Act

Marco Civil
https://pt.wikipedia.org/wiki/Marco_Civil_da_Internet
https://www.cgi.br/pagina/marco-civil-law-of-the-internet-in-brazil/180
https://www.dw.com/pt-br/dilma-sanciona-marco-civil-e-critica-espionagem-em-evento-em-sp/a-17588584







terça-feira, 3 de junho de 2025

CGI Balzaquiano

Trinta anos é um marco! Além do conceito balzaquiano de maturidade e plenitude, vem à mente o belo livro de Paulo Francis, “Trinta anos nesta noite”, publicado em 1994. Foi exatamente em 31 de maio de 2025 que o CGI comemorou 30 anos de criação, numa portaria conjunta de dois ministros: o das Comunicações (Sérgio Motta) e o da Ciência e Tecnologia (José Israel Vargas). Não por coincidência, no mesmo dia Sérgio Motta publicava uma portaria - Norma 4 - definindo a separação entre telecomunicações e Internet. Em 2009, dezesseis anos depois, o CGI publicava o Decálogo de Princípios para a Internet que, em 2014, seria a base do Marco Civil.

O espaço de liberdade, inovação e comunicação que a Internet criava foi, tempestivamente, muito bem entendido no Brasil, pioneiro em criar um órgão multissetorial que orientasse a evolução da rede que chegara ao país havia 4 anos. Essa antevisão foi festejada nos círculos mundiais de Internet, e serviu de inspiração para muitas iniciativas multissetoriais. Complemento virtuoso: os recursos que, desde 1997 passaram a vir com a cobrança de registros sob o .br, foram redirecionais para a própria Internet no Brasil, via um conjunto de ações que o NIC.br implementa e suporta.

Mas, como diria o Barão de Itararé, “tudo seria fácil, se não fossem as dificuldades…”. O que começou distribuido, compartilhado e apoiado nas ações de cada um foi, em curto tempo, concentrando-se em redes sociais, plataformas e sistemas que, se por um lado prometem conforto e facilidade aos usuários, por outro podem levá-los a uma realidade sintética e enviesada. E ainda sem falar da IA, que nos espreita ao virar da esquina, com uma eventual redefinição de “realidade”...

As redes sociais nasceram como espaços livres, mas tornaram-se campo de batalha entre inovação, segurança e privacidade. Em 2025, mais de 4,7 bilhões de pessoas — cerca de 60% da população global — estão conectadas a plataformas digitais. No Brasil, onde a Internet alcança 80% da população, elas são parte do cotidiano, do empreendedor que precisa anunciar, ao jovem que busca pertencimento. E é aí, especialmente aos menores de idade, que o impacto das plataformas tem gerado inquietação e mais discussões sobre regulamentação. Há leis que podem ser usadas: o ECA, leis sobre calúnia e difamação etc, mas é importante destacar o que o decálogo já apontava: busquemos os reais autores, sejam eles humanos, sejam algoritmos que decidem o que enviar, e a quem.

Um dos temas que o CGI apresentou no evento de seus trinta anos foi uma proposta inicial para um novo decálogo, esse sobre Princípios para Regulação de Redes Sociais. O documento foi colocado em consulta pública, visando a contribuições e aprimoramentos.

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Trinta anos do CGI:
https://www.estadao.com.br/link/demi-getschko/trinta-anos-de-cgi-os-paradoxos-que-a-internet-criou-no-brasil/

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Frases impagáveis do Barão de Itararé:
https://observalinguaportuguesa.org/82413-2/

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O livro do Paulo Francis, de 1994:



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Tipologia de redes sociais:
https://dialogos.cgi.br/tipologia-rede/documento/

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O decálogo sonbre redes sociais colocado em consulta pública:
https://cgi.br/publicacao/sistematizacao-das-contribuicoes-a-consulta-sobre-regulacao-de-plataformas-digitais/

https://www.cgi.br/noticia/releases/cgi-br-lanca-proposta-de-principios-para-a-regulacao-de-redes-sociais-e-abre-consulta-para-receber-contribuicoes-da-sociedade/

1. Soberania e segurança nacional
2. Liberdade de expressão, privacidade e direitos humanos
3. Autodeterminação informacional 
4. Integridade da Informação
5. Inovação e desenvolvimento social
6. Transparência e prestação de contas
7. Interoperabilidade e portabilidade
8. Prevenção de danos e responsabilidade
9. Proporcionalidade regulatória
10. Ambiente regulatório e Governança Multissetorial