terça-feira, 17 de outubro de 2017

Mentiras Eternas

À Internet e suas costas largas é imputada hoje a resposabilidade pela enxurrada de informações de duvidosa veracidade que nos atingem. É fato incontestável que ela possibilitou a adição de milhões de novas vozes à cacofonia universal, mas “espantar-se” com o resultado é falso pudor ou, pior, um apoio enviesado a algum tipo de silenciamento.

A justa ânsia e a pressa em querer conformar o mundo em algo mais elevado e puro ameaçam o risco de perdas maiores que os ganhos eventuais. Dar voz a todos é um valor incomparável ao incômodo (e, mesmo, ao real risco) que falsas informações trazem. Impedir a livre expressão sob o pretexto de proteger-nos pode equivaler ao surrado “jogar fora a criança com a água do banho”. J.P. Barlow escreveu em 1996, no seu libelo sobre a independência do espaço da rede: “estamos criando um mundo onde qualquer um poderá expressar suas opiniões, por mais singulares que sejam, sem o medo de ser coagido ao silêncio ou à conformidade”.

A mentira e a calúnia convivem com a humanidade desde que ela existe. Nada há de novo sob o sol! Dois exemplos clássicos na literatura aplicam-se: o arquivilão Iago, em Otelo, de Shakespeare e Dom Basílio, no Barbeiro de Sevilha, de Beaumarchais.

Da boca de Iago ouvimos que “a reputação de uma pessoa nada mais é que um bem falso e vão, que se ganha sem mérito, e se perde sem motivo”. Emília, sua mulher, o define: “Ele é invejoso. Não porque inveje algo. É, apenas, por ser”. No “credo” da ópera, Iago proclama: “Sou um celerado, porque sou um homem. E em mim sinto a lama originária”. Disseminando mentiras mas de forma a torná-las críveis, adicionando “provas” e “indícios” que não resistiriam a um escrutínio banal, Iago consegue destruir reputações e levar à morte, tanto a inocente Desdêmona, quanto o ingênuo e ciumento Otelo.

Já Dom Basílio cinicamente recomenda a calúnia como forma de desqualificar um pretendente indesejado: “Caluniem, caluniem, algo sempre sobrará”.

Deveríamos resignar-nos a acreditar no que se lê na rede? Não! Ao contrário, a constante reverificação é fundamental. Voltaire aconselhou “quando ouvimos novidades, devemos esperar pelo ´sacramento da confirmação´”. Hoje a mesma tecnologia que nos inunda de informações duvidosas, permite-nos consultar uma infinidade de fontes variadas, em busca de indícios melhor sobre a qualidade do que recebemos. A tecnologia pode aliviar os danos que ela indiretamente causa. Redes sociais, por exemplo, apregoam aplicativos e ferramentas, recursos que ajudariam nosso senso crítico, agindo como poderosos detectores do certo e do errado.

Mas mesmo sabendo dos portentosos avanços da inteligência artificial e dos algoritmos de avaliação da qualidade da informação, eu fico com um “pé atrás” nesse assunto. Provocativamente, faço uma analogia com o que está no Gênesis: se Eva foi ou não enganada pelo Malicioso é menos importante do que a isca usada: “morda esse fruto e passará a conhecer e a distinguir o bem do mal”. Será que “mordendo” os aplicativos e as ferramentas que nos oferecem, atingiríamos o que o Tentador prometeu? Passaríamos a separar claramente o bem do mal?

Alerta! Ainda prefiro a falibilidade humana à mecânica onisciência do infalível algoritmo.


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Existe "qualitômetro" para informações? 😊





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