segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Vai no 'quilo' ou no 'bufê', chefe?

Uma das rupturas da Internet em relação à gestão tradicional das telecomunicações está na maneira de tratar a cobrança dos serviços. Na Internet a forma de cobrar nunca foi preocupação. Já nas telecomunicações geridas pela União Internacional de Telecomunicações (ITU), gerar a "conta" para o usuário é tema central.

A telefonia tradicional usa uma tecnologia conhecida como "comutação de circuitos". Um caminho é reservado entre origem e destino durante toda a conexão telefônica, mesmo que o usuário fique em silêncio. E a cobrança leva em conta a duração e a distância da chamada. É bem mais caro ligar para alguém na Ásia que para um vizinho de bairro. Na Internet a tecnologia é outra: a "comutação de pacotes", usada no TCP/IP. Os "pacotes de dados" originários de uma "conversa" disputam com outros "pacotes" os caminhos possíveis na rede, gerando uso mais eficiente dos recursos. Nem o tempo de conexão, nem a distância fazem parte do ambiente internet.

É verdade que no início, quando a infraestrutura era precária e o acesso à Internet era ainda sobre telefonia, a forma usual de cobrança podia envolver o tempo de conexão. Mas à medida que os cabos ópticos e a banda larga se disseminaram, aumentou tremendamente a capacidade de transmissão e a Internet pôde voltar ao modelo de cobrança baseado em aluguel de "banda", de capacidade, tornando-se esse o padrão para a conexão doméstica.

Cobrar por capacidade pode parecer estranho se comparado à telefonia, mas há muitos casos rotineiros em que se paga algo fixo, definido estatisticamente. Aluguel de automóvel sem limite de quilometragem, passaporte para parque de diversões e restaurantes fornecem exemplos. Pode-se ir a um restaurante e pagar fixo ("bufê") com consumo livre, ou escolher pagar pelo "peso" da refeição. Ambos os modelos se sustentam perfeitamente.

Voltando ao acesso doméstico à rede, o usuário pode escolher quanta "banda" quer contratar (qual a "bitola do cano" que o conectará à rede) e o provedor usará uma tabela calculada estatisticamente para definir o valor a cobrar. É sobre essa banda IP que rodarão serviços de texto, som, vídeo ou, até, telefonia. É o modelo Internet em ação. Por outro lado, se o assinante de um serviço móvel faz uso de 3G ou 4G, ele estará usando como base de acesso a telefonia tradicional. Sobre ela poderá receber Internet e seus serviços, mas neste caso a estrutura subjacente tem sua raiz no modelo telefônico.

Ou seja, a forma de cobrança pode se basear, agora, na utilização da infraestrutura, no consumo, e não na capacidade de banda. Diga-se, por sinal, que a estatística aqui é bem mais complexa porque pode haver concentrações típicas em eventos, congestionando a célula local que atende os assinantes em cada instante.

Usar a rede sem preocupações com tempo de conexão e com tráfego de dados gera uma postura mais reflexiva, mais contributiva e traz mais riqueza à Internet. À época do acesso discado, depois da meia-noite o gasto era um único pulso telefônico e muitos esperavam a madrugada para ir à rede. Esta restrição ficou no passado. Que outras, evitáveis, não surjam hoje.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Não se mata o mensageiro!

Dois dos três pilares básicos do Marco Civil foram analisados, superficialmente, nesta coluna: neutralidade e privacidade. Resta tratar do terceiro, a correta responsabilização das más ações na rede. A internet sempre se pautou por usar do bom senso quando da definição de suas funcionalidades. Sempre que possível, os modelos tradicionais, simples e fáceis de justificar, são os preferidos nas implementações. O protocolo que define "e-mail", por exemplo, chama-se SMTP (Simple Mail Transfer Protocol) e, não por acaso, imita o correio tradicional em muitos pontos. Um deles é não pedir autenticação ao remetente. Da mesma forma que o correio trabalha, basta usar um envelope devidamente formatado e endereçado para que seu conteúdo seja entregue ao destinatário.

Por outro lado, a internet é uma rede baseada em protocolos e que pode, em tese, controlar tudo o que nela se passa. Se a isso adicionarmos a crescente aspiração por segurança, está montado um caldo que pode gerar uma rede não apenas monitorada, mas com censura embutida, empobrecimento nos conteúdos e sem garantia de um florescimento livre.

Quando alguém considera-se atingido por conteúdo ofensivo, mentiroso ou calunioso, certamente pode e deve procurar alívio. Mas não é o portador do mau conteúdo o responsável, ou mesmo corresponsável. Permitir que o intermediário possa ser automaticamente considerado como corresponsável, quando ele se recusa a cumprir um pedido de usuário para remoção de conteúdo, pode ser uma forma de chantagem que abrirá as portas para uma autocensura. Ninguém, especialmente um pequeno empreendedor, quer ser responsabilizado por coisas que seus frequentadores dizem ou fazem. Se essa regra não ficar bem definida, empreender implicará em correr riscos jurídicos grandes e, pior, desconhecidos.

O Marco Civil estipula que o responsável pelo conteúdo é quem o gerou e publicou, não a "parede" em que ele foi escrito, o envelope em que ele foi remetido ou a rede social em que surgiu. Além disso, não compete ao intermediário avaliar e diferenciar o que seria calúnia do que é mera polemica ou denúncia. Para isso há o Judiciário, que examinará o material e decidirá se o solicitante tem razão em pedir sua exclusão, ou é algo lícito, que pode permanecer. É claro que, havendo ordem judicial de remoção, o intermediário passa a ser responsável pelo seu cumprimento nos prazos estipulados.

Em decisão do STJ, anterior ao Marco Civil, lê-se: "O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02". É exatamente esse princípio que o Marco Civil defendeu.