terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A um Inovador

Estamos (sempre) no limiar de algo sensacional e inaudito, que pretende mudar radicalmente o mundo que conhecemos. Já ouvimos outras vezes e, sim, pode ser que aconteça essa “evolução disruptiva” sem volta. Parece-me clara a possibilidade da “disrupção”, mas é menos clara a semântica do “evoluir”. Afinal, tanto o bom como o mau evoluem, cada uma buscando com mais eficiência seu alvo próprio.

Em tudo há disrupção em andamento. Acabamos de ouvir que nascem humanos geneticamente modificados, o que, mesmo que eivado das “melhores intenções”, é disruptivo. Na engenharia esse tipo de experimento, em que um sistema não totalmente conhecido é testado, chama-se “caixa preta”. Sem saber o que tem dentro, mexemos nos parâmetros de entrada e, do comportamento que ele passa a exibir, tiramos conclusões.  De uma “caixa preta” mecânica a um ser humano há (ou, ao menos, havia...) uma grande diferença:a caixa preta que deu errado pode ser jogada fora. Não ouso pensar no que se faria com o experimento humano num caso equivalente.

Na informática e, claro, na Internet temos processos semelhantes em diversas áreas. Vejamos, por exemplo, informação na rede. No passado, foi a entrada em cena do modelo de publicidade paga que viabilizou o que chamamos de “serviços grátis abertos a todos”. A existência de potenciais clientes a serem atingidos fez com que anunciantes remunerassem os meios, que passaram a ser acessíveis a todos. Há compradores potenciais e o anunciante paga para acessá-los, mas atirava a esmo. A Internet permitiu “calibrar” o tiro ao perfilar os usuários e agregá-los.  A tentação seguinte foi aumentar o número dos prosélitos, catequizando indecisos e influenciáveis. O modelo de negócio foi ficando cada vez mais rebuscado e inseparável do meio. 

Mas tudo o que é complexo acaba por ser vulnerável e, assim, assistimos a diversos episódios de vazamentos e manipulação. Mesmo quando o modelo é em si claramente mostrado aos usuários, poucos chegam a buscar entendê-lo. Sequer o leem. Afinal, melhor continuar usando e não prestar atenção aos detalhes. Canais que teriam sido criados com a melhor das intenções, permitiram abusos por parte dos maliciosos.  Um “cookie”, facilitador para a navegação do usuário, acaba sendo usado na monitoração. Ao haver a possibilidade de enviar código para dentro do equipamento dos outros, alguém usará isso para mandar código malicioso.

O futuro da informação pode ser uma ladeira escorregadia. Inicialmente vendiam-se produtos e serviços e logo pensou-se em reforçar marcas junto a clientes fiéis (“branding”), o passo seguinte foi calibrar o público atingido (“targeting”) e, finalmente, modular o próprio tipo de informação que gere mais ressonância a cada comunidade.  Quando a informação vira o produto, sua acurácia é menos importante que o retorno que se consegue ao cativar o grupos visado. Enviar o que querem ouvir é uma forma insidiosa de gerar resultados econômicos e sobrevivência. Talvez uma sobrevivência efêmera.

Alberto Gomide, um pioneiro da Internet no Brasil e um espírito aguçado e crítico com quem convivi algumas décadas, ao ouvir uma ideia nova, promissora mas mal testada, lembraria o poema “A um Rato”, de Robert Burns: “... os melhores projetos de homens e ratos frequentemente acabam por falhar, deixando dor no lugar da prometida alegria...”




He Jiankui da SUSTech, anunciou a primeira edição de código genético de embriões humanos...

To a Mouse (Robert Burns): https://en.wikipedia.org/wiki/To_a_Mouse

...
But Mouse, you are not alone,
In proving foresight may be vain:
The best laid schemes of mice and men
Go often askew,
And leave us nothing but grief and pain,
For promised joy!

...

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Cuidado com o que pedimos...

    Georges Bernanos, um francês que acabara de passar 7 anos no Brasil, escreveu em 1945 “A França contra os Robôs”. Além de discutir assuntos do pós-guerra, é também um apelo a favor da liberdade, e antecipa situações que hoje nos parecem familiares: Bernanos alerta “...o problema não está nas máquinas”, mas “no número crescente de homens habituados desde a infância a desejar apenas o que as máquinas lhes podem dar”. Sobre liberdade, diz: “Não se trata de saber se essa liberdade torna os homens felizes, nem mesmo se os torna morais. Não se trata de saber se ela favorece mais o mal que o bem... Basta-me que ela torne o homem mais homem, mais digno de sua perigosa vocação de homem...”, “um mundo ganho para a técnica está perdido para a liberdade”. Orwell, na Revolução dos Bichos, define: “se liberdade significa algo, será sobretudo o direito de dizer aos outros o que eles não querem ouvir”. A Internet levou essa possibilidade ao extremo.

    Se entendermos a rede como um meio, ela agiria como um transmissor passivo do que “falamos”. Aliás, os sons são ondas mecânicas de pressão num meio específico, o ar – nada se ouve no vácuo. Ninguém acharia razoável culpar o “ar” pelas bobagens que eventualmente ouvimos e assim, em princípio, também não se deveria responsabilizar a Internet pelo que nela circula. Surgem, entretanto alguns complicadores: no “ar” da Internet existem “microfones” e “alto-falantes” que podem captar o que falamos e o repassá-lo a destinos muito além do que se pretendia atingir. E na rede formam-se “clubes”, baseados em modelos de negócio, que visam a facilitar, ainda mais, a disseminação do que é dito. A dinâmica da Internet fará com que uma iniciativa modesta, mas que tenha caído no gosto dos internautas, em poucos anos transforme-se num império poderoso, graças às informações que amealhou de seus associados e que redistribui fartamente. Quanto aos nossos dados, espera-se que um “clube” sério exponha claramente o que com eles pretende fazer, e (alvíssaras!) temos hoje uma lei específica para isso no Brasil. Mas, e quanto ao que circula na Internet facilitado pela ação dos “clubes”? O dilema persiste: qual o papel atribuível ao viabilizador do processo de interação? Ao modo do correio e do papel, parece-me claro que o simples fato de serem portadores de eventuais informações incorretas, nefastas ou ofensivas não os fará terem responsabilidades sobre isso. Diferentemente, num meio “editado” como os jornais, quando se publica algo falso denigridor haverá minimamente uma retratação. Isso aplicaria às redes sociais e suas ferramentas? Se agem como “um meio”, estariam isentas de responsabilidade. Por outro lado, se tem poder editorial, se são ativas, a coisa pode mudar de figura. Penso que o correto é sempre permitir a liberdade de todos e, caso alguém se exceda, que seja individualmente responsabilizado pelo seu ato. Querer fazer de uma ferramenta um Catão da moral e da verdade, pode ser um sério tiro pela culatra. Clamar por esse tipo de ação pode significar que estamos dando a elas um poder ainda maior e mais perigoso. Oscar Wilde já havia alertado “...quando os deuses querem nos castigar, atendem aos nossos pedidos”.