terça-feira, 26 de dezembro de 2017

IGF em Genebra

A 12.ª reunião do IGF (Internet Governance Forum) aconteceu em Genebra, Suíça, na semana que antecedeu o Natal. É um fórum iniciado em Atenas, 2006, anual, sendo o Brasil o único país até aqui a hospedá-lo duas vezes: em 2007, no Rio de Janeiro, e em 2015, em João Pessoa. Nem sempre é fácil encontrar um país que se ofereça a abrigá-lo, especialmente devido aos gastos a cargo do organizador local. Usamos os recursos recebidos do registro de domínios sob o .br e da distribuição de números IP e pudemos realizar as duas reuniões sem financiamento do governo.

A origem do IGF liga-se à primeira reunião de cúpula da sociedade da informação, WSIS (World Summit on Information Society), organizada pela ITU (International Telecommunications Agency), em 2003, Genebra, com segunda parte em 2005, Túnis.

Para a ITU, que regula mundialmente as telecomunicações, havia algo diferente alastrando-se, com características bem distintas do espaço controlado e controlável do mundo das teles. Assim, era importante debater a nova “sociedade da informação” e ver como o surpreendente mundo auto-organizado da internet poderia mudar papéis.

Governança da internet. Na WSIS foi criado um grupo já com enfoque claro em governança da internet, o WGIG (Working Group on Internet Governance), que durou de 2003 a dezembro de 2005 desembocando no IGF.

Dos tópicos discutidos no WGIG constava o tema dos recursos coordenados, como nomes de domínio e distribuição de números IP a cargo da ICANN (sigla em inglês para Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números). Eis mais uma zona de tensão entre o mundo das formas consolidadas de regulação e governo e o mundo da rede.

Com mais IGF, a tensão não se dissipou por completo, mas outros pontos socialmente importantes fizeram parte do temário. No IGF discutem-se aspectos gerais do que se convencionou chamar de “governança da internet”, entre eles a busca de equilíbrio entre os segmentos interessados: governos; setor privado, abrigando operadoras, fabricantes e plataformas; setor técnico-acadêmico, incluindo responsáveis pelo desenvolvimento de padrões; e o terceiro setor, voltado à análise dos impactos sociais da rede, ao acesso amplo e irrestrito a todos, à integração das comunidades e aos cuidados com os direitos humanos.

Assim, o fórum tornou-se um ponto de encontro e discussão que, mesmo sem tomar decisões ou emitir recomendações formais, passou a balizar diversos aspectos sociais da internet e sua evolução.

Tópicos em debate. Esse IGF contou com mais de 2 mil participantes, reunidos por 5 dias nas suntuosas instalações da ONU.

Entre os pontos de maior interesse, tivemos: apresentação de posições que governos têm tomado quando à criptografia; riscos ao direito de todos em manter seu sigilo; impactos que bloqueio de sítios e aplicações causam a usuários e à própria internet, eventualmente afetando até regiões e países que não participam da ação de bloqueio; painéis sobre as “notícias falsas”, ou melhor, desinformação propositalmente disseminada, mostrando a impossibilidade de se classificar informações e, ao mesmo tempo, buscando recomendar formas que minimizem seu efeito; e um panorama das iniciativas nacionais e regionais para discussão continuada.

O Brasil, por meio do CGI (Comitê Gestor da Internet no Brasil), propôs-se a manter um diretório de informações sobre todos os IGF, e isso pode ser conferido neste endereço: http://friendsoftheigf.org

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https://link.estadao.com.br/noticias/geral,igf-em-genebra,70002130825



terça-feira, 12 de dezembro de 2017

A simbiose homem-computador

O título é o de um texto profético de J.C.R.Licklider, Man-Computer Symbiosis, escrito em 1960 (!). Licklider foi um cientista brilhante com atuação em múltiplas áreas, uma delas o projeto Arpanet, que acabou gerando a Internet que conhecemos hoje.

No último texto no Link, resvalei em IA (inteligência artificial) e arrisquei afirmar que as máquinas não desenvolverão “ética e consciência” nos moldes humanos. Reconheço que há divergências quanto a essa previsão, mas o citado artigo de Licklider ajuda a diminuir as inquietudes de diversas formas. Além de espantosamente prever que a futura interação com máquinas seria baseada em voz, e de descrever em 1960 o que hoje chamamos de “computação em nuvem”, ele traz uma visão sobre o futuro papel das máquinas. Transcrevo: “se hoje os computadores ajudam na solução de problemas que nós formulamos, eles passarão a participar da própria formulação dos problemas. Numa futura simbiose, nós definiremos os objetivos, as hipóteses e os critérios, e faremos a decisão final. Os computadores além de todo o trabalho de rotina, prepararão o caminho para conclusões técnicas e, mesmo, para o pensamento e a pesquisa científica”. Simbiose é um conceito da biologia, que define uma relação de interdependência entre criaturas de espécie/natureza diferente. Um exemplo clássico é o da figueira, cuja polinização depende de um tipo específico de vespa, a qual, por sua vez, alimenta-se apenas de figo. Sem a vespa a figueira não frutifica. Sem o figo a vespa se extingue.

Num processo de tomada de decisão, gastamos a maior parcela de tempo em reunir material, organizá-lo de forma coerente, agrupar os dados em gráficos e tabelas. Só uma pequena (mas nobre) parcela de tempo é destinada a, dado todo o panorama construido, tirar uma conclusão. Essa preparação prévia já está em boa parte a cargo dos computadores, das ferramentas de busca, da Internet com seu imenso repositório. Com as referências certas, pode-se chegar a uma decisão sensata. O que existe hoje é, assim, a interação homem-computador. Um interação que é cada vez mais uma via de duplo sentido. Há tempos a automação instalou-se em fábricas, em linhas de montagem e, mesmo hoje, não é raro a máquina precisar da ajuda do homem para completar tarefas complexas. Nem o homem sozinho, nem a máquina de forma autônoma dariam conta do que há por fazer, ou seja, a dependência mútua já está posta. Evoluirá de uma extensão mecânica do homem para uma “simbiose”? Numa interdependência real, além de ajudar a organizar o pensamento e responder nossas perguntas, as máquinas poderão nos auxiliar na própria formulação das questões. Afinal, muitas vezes é mais importante e difícil descobrir qual a pergunta certa a fazer.

Há certamente uma revolução a caminho. G.K.Chesterton alerta para um desvio nessa busca, a ser considerado: “revolucionar” deveria ser usado como um verbo transitivo, buscando um foco, não um verbo intransitivo, que se autojustifica. Quanto à importância de fazer a pergunta certa, ao final do “Guia do Mochileiro das Galáxias” de Douglas Adams, o supercomputador onisciente finalmente consegue responder à obsedante pergunta “qual o sentido da vida, do universo e tudo o mais?”. A resposta foi “42”.


Referências:
http://groups.csail.mit.edu/medg/people/psz/Licklider.html
http://memex.org/licklider.pdf
http://www.chick.net/wizards/memo.html



https://jugglingpaynes.blogspot.com.br/2010/12/carnival-of-homeschooling-42-edition.html