De tempos em tempos surgem projetos de lei que, mesmo muito bem intencionados, acabam por se mostrar inviáveis, ou arriscam trazer consequências danosas imprevistas. Isso se deve a uma coompreenção imperfeita do que seja a Internet e das idéias que a geraram. Se partimos da hipótese de que Internet única e acessível por todos é algo desejável, é importante preservar seus conceitos constituintes que a fazem ser o que é. Ir contra eles é, eventualmente, aliar-se involuntariamente aos que a querem fragmentada e deformada.
Nos velhos tempos, o correio eletrônico era a grande novidade: trazia acesso e comunicação entre todos. Lembro-me de um projeto de lei – felizmente abandonado - que obrigaria os provedores nacionais do serviço de correio eletrônico a garantirem a correta identificação do remetente. Quem acompanhou a disseminação dessa ferramenta, sabe que o protocolo básico – o SMTP, Simple Mail Transfer Protocol – mimetiza o correio tradicional. Ora, no correio tradicional uma carta será entregue desde que adequadamente envelopada e selada, independentemente de verificação da identidade de seu remetente: basta jogá-la na caixa de correio e ela seguirá ao destinatário… Se uma lei local buscar mudar isso, por exemplo obrigando servidores nacionais a indeitificarem os remetentes, o resulado imediato será a migração de boa parte dos usuários a serviços internacionais, inviabilizando provedores nacionais. Em suma, ao mesmo tempo em que não se avança nada na identificação dos remetentes, destrói-se a oferta nacional desse serviço.
Outra analogia: o registro de nomes de domínios. A expectativa de qualquer operador de domínio lícito é que ele funcione na Internet como um todo. E é exatamente assim que funcionam os milhares de domínios existentes e ativos. Alguém precisa usar o .br para operar no Brasil? Estritamente, não. Escolhe-se o .br (e, felizmente, a enorme maioria das iniciativas brasileiras o faz) é devido a sua características específicas como estabilidade, língua, custo, resiliência. Como exemplo, o fato do .br exigir CPF ou CNPJ faz com que qualquer eventual liitígio sobre o nome escolhido seja resolvível por aqui mesmo e sem reflexos internacionais. É um equilíbrio delicado: se um domínio passa se ser mais caro, ou ter mais exigências que suas alternativas, migração será esperada. Como já disse alguém no passado, “a Internet interpreta percalços locais como ‘defeito técnico’ , e buscará contorná-los”. Se as regras de um domínio específico passam ser mais duras ou caras, o que se verá é migração para alternativas mais simples. Obtem-se o oposto do que se buscava: ao invés de mais dados e conhecimento sobre os usuários,há perda significativa de informação local.
Uma internet segura e estável passa por dar aos usuários garantias de ela continuará atendendo aos conceitos de não-localidade da rede. O Comitê Gestor da Internet, criado em 1985 e saudado por toda a comunidade internet como um modelo adequado e multissetorial de sua governança, sabiamente denominou-se “Comite Gestor da Internet NO Brasil”, e não “DO Brasil”.