É
Natal, tempo em que pensamos no que passou, enquanto tentamos manter
esperanças no que ainda virá. A importância da data independe da
religiosidade de cada um - afinal, em nossa cultura, o Natal e o Ano
Novo estão ligados fortemente: vem aí 2019. Essa numeração
baseia-se, com maior ou menor precisão, num evento em Belém, que
marcou o reinício da contagem do tempo para boa parte do mundo.
A
Internet é quase cinquentenária e tentarei uma conexão com uma
lembrança igualmente antiga: a leitura de “Um Conto de Natal”,
do Dickens. A novela, publicada há 175 anos e que teve inúmeras
traduções e adaptações, talvez seja mais conhecida pela sua
personagem central, Ebenezer Scrooge, que a Disney transmudou em Tio
Patinhas. Qual o paralelo?
Na
história, o avarento Scrooge é dono de um pequeno escritório
(seria uma “start-up” daqueles tempos?) e tem um único
funcionário, que é muito dedicado, mas mal pago. Com quatro filhos
- um dos quais bem doente e mesmo sem conseguir fazer frente às
despesas, ele mantem a bonomia. Numa noite o insensível Scrooge é
visitado pelo fantasma de seu finado sócio, que o adverte a ser
atento às agruras do próximo, e anuncia a visita de tres fantasmas,
que trarão mais luz para Scrooge se emendar. O primeiro é o
fantasma dos Natais Passados, que o inunda de melancolia ao fazê-lo
relembrar os
tempos de criança, quando para ele o Natal era época feliz.
O segundo é o do Natal Presente, que mostra a agitação das compras
e comemorações, mas também indiferença e injustiças. Luzes e
futilidade. Esse segundo fantasma carrega consigo duas ameaças que
poderão frustrar o futuro: a ignorância e a miséria. O terceiro é
fantasma dos Natais Futuros. Calado, aponta a Scrooge um porvir
soturno, de crescente isolamento e solidão.
A
Internet pode representar, ao mesmo tempo, os três espectros que
visitaram Scrooge e servir de alerta. A rede nos dá acesso a
preciosos documentos do passado, que almas abnegadas colocaram para
nosso proveito. Há textos e entrevistas históricas preservados,
interpretações emocionantes de obras musicais, um mar de dados e
informações para nosso uso, a que não teriamos acesso de outra
forma. Por outro lado, o presente da rede tem facilitado o prosperar
de tensões e divisões, que antes não eram tão presentes. A
vaidade de ser partícipe de qualquer discussão nos exorta a
tomarmos posições impensadas, muitas vezes agressivas. A nossa
exposição a tudo pode ser um fardo que supere nossa capacidade de
assimilação. Quanto ao futuro, acumulam-se incertezas,
especialmente se optarmos por trilhar um caminho que dispensa nosso
legado histórico. O que o futuro nos reserva dependerá de como
interpretaremos os sinais do presente, cada vez mais claros.
Os
Fantasmas de Natal converteram o Sr. Scrooge. Quem sabe os Fantasmas
da Internet podem agir na mesma direção, perpetuando entre nós o
espírito natalino. Em outro texto, bem humorado, Drummond parece
entrever que, em época melhor, até a Internet das coisas
participará (!). No “Organiza o Natal” achamos: ...”os objetos
se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado,
reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de
lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo,
<...> o correio só transportará correspondência gentil”
http://www.editorarideel.com.br/wp-content/uploads/2015/07/MIOLO_Conto-de-Natal.pdf
https://www.ibiblio.org/ebooks/Dickens/Carol/Dickens_Carol.pdf
Charles Dickens' A Christmas Carol 1971 Oscar Winner HD Richard Williams Animation:
https://www.youtube.com/watch?v=ZTzyC9CZuOAhttps://en.wikipedia.org/wiki/A_Christmas_Carol
First edition frontispiece and title page (1843)