domingo, 22 de janeiro de 2017

Rashomon e a franquia na Internet fixa (1)

Rashomon, clássico filme de Akira Kurosawa, mostra que há diversas versões de um mesmo fato. Segue uma leitura pessoal, sem valor subjetivo do que seria “melhor”, “pior”, “benéfico” ou “maléfico” para usuários e fornecedores, do tema recorrente: a introdução ou não de “franquia” para Internet fixa. Seria necessário estabelecer um segundo limite a algo que já tem um limite natural definido pela velocidade contratada? O modelo corrente é viável?

Existem modelos estatísticos a valor fixo e modelos proporcionais. Fixos podem ser planos de saúde, aluguel de veículos, restaurantes bufê ou rodízio e a própria Internet fixa de hoje, ao definir patamares de custo. É fixo dentro da opção escolhida ou definida: idade, carro, variedade de comida, velocidade. Há modelos proporcionais ao consumo, como a conta de água ou luz, restaurantes por quilo, onde o valor varia de acordo.

Em muitos casos não há porque assumir que o valor cobrado do usuário deva ser proporcional ao consumo do serviço. Mesmo em modelos quantitativos, papéis e remuneração diferem. Na rede elétrica, que nos cobra por consumo, há três funções distintas: geração, transmissão e distribuição. Recebemos nossa conta do distribuidor e, por exemplo, sabemos que a energia consumida não foi gerada por ele.

Ao distribuidor cabe manter a estrutura capaz de entregar, digamos, 35 kW a cada uma das casas. Há componentes, proporcionais ao consumo, que envolvem gerador e transmissor (“linhões”) e outros, quase fixos, que pouco dependem do consumo, como o do distribuidor. Na Internet, o que se consome também não é gerado pelo provedor. Ele cuida da obtenção e entrega de conteúdo, cuja fonte está nas pontas da rede. Ao provedor cabe manter a estrutura para isso.

Em nossas casas, o distribuidor da energia elétrica nos dá um limite de potência, por exemplo, 35 kW. Certamente a estrutura geral não comportaria uma demanda simultânea de “todas” as casas no pico. O distribuidor configura sua estrutura para suportar o pico do consumo “médio”. Esse máximo poderia, por exemplo, corresponder a 10 kW por residência, e a estrutura instalada deveria suportá-lo continuamente. O gerador e os “linhões” também estarão dimensionados para esse consumo.

Na Internet, onde fluxo de conteúdo é bidirecional, os geradores estão nas pontas da rede. São, em sua maioria grátis, ou pagos diretamente com assinaturas, portanto a parcela de custo variável do “gerador”, que está na conta de luz, não faz parte da conta do provedor de Internet.

Usemos, de forma ilustrativa, os mesmos números acima: alguém contrata um plano de acesso residencial a 35 Mbps. A estrutura estaria projetada, estatisticamente, para um consumo médio de 10 Mbps no conjunto de assinantes daquele plano de 35 Mbps. A expectativa lícita do usuário será, então, a de poder receber durante um mês, 10Mbps de média, o que daria cerca de 3 Terabytes de informação.

Esse seria o limite para ele. Tentar adicionar outro limite, uma “franquia” abaixo desse, é assumir que não se previu estrutura adequada e vendeu-se o que estatisticamente não é “entregável”.


domingo, 8 de janeiro de 2017

O Ouro da Internet

É fácil criticar informação errada ou falsa na Internet, mas é fundamental relembrar seus benefícios. Hoje, que a temos quase onipresente, às vezes esquecemos seu inestimável valor e os bens que ela nos trouxe. A facilidade de encontrar e publicar conteúdos, a comodidade de comprar sem sair da cadeira ou enfrentar congestionamentos, dialogar com todos. Para os “antigos” onde me insiro, a rede permite, por exemplo, vasculharmos sebos em busca de livros usados, entulharmos a casa de quinquilharias adquiridas de terceiros, sem falar nas diatribes que podemos manter com os “hereges”, em qualquer lugar do mundo, que de nós divirjam.


Há ouro na Internet. Como é bom poder assistir a vídeos, ouvir músicas, acessar conteúdos raros que, sem a rede, dificilmente estariam ao nosso alcance, ou sequer saberíamos de sua existência. Os abnegados que colocam à nossa disposição tanto valor e ferramental merecem nosso profundo reconhecimento. Dou alguns exemplos de preciosas pérolas que se acham na rede. Há uma entrevista do Carl Jung dada à BBC, em 1959, em que comenta trechos de sua vida e experiência, incluindo-se a discussão com Freud, de quem fora aluno. Há perturbadoras e proféticas declarações, como a de com Aldous Huxley, 1958, comentando o Admirável Mundo Novo.

Num vídeo de Martin Heidegger sobre filosofia e linguagem temos a citação de Goethe de que “as coisas realmente profundas só podem ser ditas pela poesia” e onde ele comenta trechos de Karl Marx. A também filósofa e sua ex-amante, Hannah Arendt, também está presente, numa interessante entrevista de 1964. 

Finalmente, há uma não tão longa mas deliciosa entrevista do matemático, lógico e filósofo Bertrand Russel, também dada à BBC em 1959, onde conta historietas suas e da constante luta pela liberdade, contra o militarismo. Dentre as curiosidades de que ficamos sabendo, ele narra seu encontro, ainda menino, com William Gladstone, e, de forma humorística, como o cachimbo, companheiro inseparável, salvou a sua vida. Vou deixar à curiosidade do leitor. Um momento inestimável é quando o repórter, fazendo analogia à descoberta dos pergaminhos do Mar Morto, pergunta que conselho ele gostaria que chegasse às gerações do futuro. É fácil encontrar esse trecho, bastando procurar por “Bertrand Russell’s advice”. Há versão com legendas em inglês.

Bertrand Russel deixa dois conselhos a todos nós: um de caráter intelectual e outro de caráter moral. O de caráter intelectual é: “Quando você estiver estudando qualquer tema, ou considerando qualquer filosofia, atenha-se apenas ao fatos, e a que verdade esses fatos levam. Nunca se desvie pelo que você gostaria de acreditar, ou pelo que você pensa ser melhor para a humanidade. Atenha-se apenas aos fatos!”. Em seguida ele trata do conselho moral, onde começa relebrando-nos que “amar é sábio e odiar é tolo”, para, espantosamente, ouvi-lo dizer, em pleno ano de 1959: “Nesse nosso mundo, que está se tornando cada vez mais e mais interconectado, temos que aprender a tolerar-nos mutuamente.

Certamente ouviremos e teremos que conviver com coisas de que não gostamos. Mas se quisermos ‘viver juntos’, e não ‘morrer juntos’, precisamos de tolerância e caridade, absolutamente vitais para a continuação da vida neste planeta.”

Encerro com Hamlet: “... o resto é silêncio”. Ótimo 2017 a todos!

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Carl Gustav Jung - "Face to Face" (BBC 1959)
https://www.youtube.com/watch?v=oBYEFX2dqpM
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Bertrand Russell - Mensagem para o futuro:  
https://www.youtube.com/watch?v=IJcqP9fGBSk
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Bertrand Russel, "como fumar cachimbo salvou minha vida"...
https://www.youtube.com/watch?v=FGqDe2GDRSk

https://pipesmagazine.com/wp-content/2011-articles/bertrand-russell/bertrand-russell-04.jpg