terça-feira, 17 de abril de 2018

Desandou a Maionese!

Uma proeza culinária, que para mim beira o milagre, é a preparação da maionese. Uma coisa de nossas avós, exigia bastante esforço manual, muita atenção e alguma mandinga: bater antes de mexer, usar ou não batedeira, girar no sentido horário ou anti-horário, dizer palavras mágicas... 

Hoje, a maionese se compra industrializada – mais uma das antigas habilidades humanas em extinção...
A dificuldade começa a ficar clara quando se lembra que fazer a maionese exige misturar óleo e água, obtendo uma emulsão homogênea: fazer com que a água e o óleo convivam, pacificamente, sem que cada um busque sua área de conforto. Se a preparação desanda, as microporções de óleo vão se juntar às suas irmãs e, da mesma forma, as gotículas de água vão se agrupar entre sí, e teremos não mais o saboroso creme que queríamos, mas apenas ilhas de óleo e ilhas de água, divorciadas. 
Na maionese, quem realiza a mágica da “comunhão”, segundo me informaram amigos versados em química – os modernos alquimistas – é o ovo. O ovo (mais especialmente, a gema dele) tem a propriedade de se introduzir entre o óleo e a água e prover o convívio pacífico de elementos naturalmente inconciliáveis. O ovo faz parte da turma do “deixa disso!”. Mais ou menos como a cerveja agrega em torno da mesa de bar torcedores de times de futebol diferentes.
Voltemos ao nosso tema canônico: a Internet. O convívio social, especialmente, mudou muito com a Internet, que nos trouxe a perspectiva de que todos falariam com todos e sobre tudo. Seria a enorme panela onde faríamos uma “maionese” complexa e aberta, onde o óleo continuaria óleo e a água permaneceria água, mas haveria uma interpenetração e um intercâmbio com ganho para todos. 
E, de fato, foi assim que começou, para a alegria e o entusiasmo geral. Por algum motivo, ou por ação dos poderes das trevas, a adição de novas levas de diferentes óleos e mais quantidade de água trouxe rancor, agressões e ruptura no tecido em construção...
Como no caso da maionese desandada, os partidários das diversas correntes se reuniram em guetos, e passaram a se atacar mutuamente. Mais por serem de natureza diferente, do que por terem argumentos sólidos contra os outros grupos...
Teriam faltado ou sobrado componentes? Será que a adição não foi acompanhada do pesado empenho necessário em preparar a mistura, do proverbial “bater e mexer” na confecção da maionese? Houve pressa no processo? Ou isso é assim mesmo, estamos sendo exigentes demais, e precisamos dar tempo ao tempo?
Pode ser, por outro lado, que inexista gema de ovo na internet. Alternativas? Dizem-me que a bile, o fel, também é emulsificante. Teríamos usado fel na mistura? Isso explicaria muita coisa... 
Busquei alternativas de compromisso. Aparentemente, o sabão, por ser anfipático (!!!) e ter a propriedade de, em uma ponta gostar de óleo e na outra ponta gostar de água, conseguiria gerar uma mistura homogênea de óleos e água. Claro que seria uma beberagem de gosto horrível, mas teríamos, ao menos, um líquido uniforme, Quem sabe se usássemos o sabão (em nossas bocas) antes de falarmos o que nos vem na telha (na Internet) teríamos uma nova “maionese”, agora talvez bastante insossa e aguada, mas sem desandar. 


terça-feira, 3 de abril de 2018

O Poder da Escolha

Eventos recentes mostraram o quão vulneráveis e expostas na internet são as informações sobre nossas características. Eles aumentaram a sensação de que estamos expostos à manipulação. São tempos fluidos, em que a ânsia de buscar ancorar em algum porto, que nos dê segurança e solidez, muitas vezes apenas aumenta a instabilidade da embarcação, que segue a destino obscuro.

O vazamento de dados na internet traz à discussão o papel dos intermediários e das plataformas. É óbvio que tudo o que nos oferecem prevê contrapartida – afinal trata-se de iniciativas que visam retorno e lucro. Essa contrapartida pode ser abusiva, quando viola preceitos legais, ou apenas oportunista. Para evitar contrapartidas legalmente abusivas há que se lutar por mais clareza na proteção de nossos valores, do que não é passível de escambo; mas tratemos aqui apenas das oportunistas.

É sabido que poucos leem os termos dos “contratos virtuais” ao aceitar as “regras do clube” e, mesmo que não sejam regras dentro do que a lei permite, alegremente dão sua aprovação e partem para o uso. Escrevem, ouvem, falam, criam círculos de amigos que muitas vezes nem são reais ou, se o forem, nunca serão encontrados ao vivo, comentam notícias verdadeiras e falsas dando seu apoio ou rejeição, às vezes discretamente, muitas vêzes enfaticamente. Ora, não é preciso ser bidu para imaginar que, com a capacidade de computação a baixo custo que temos, mesmo que nada seja formalmente “abusado” pode-se levantar detalhadamente um perfil. E se for de interesse do explorador, ele pode mandar mensagens que saberão vibrar a corda certa do usuário, que responderá entusiasticamente à engenhosa maquinação.

Quando se mostram resultados dessas varreduras, corre-se a trancar portas arrombadas. Para tornar o cenário pior, tenta-se erigir a plataforma num Catão moderno, que julgará o que pode ou não ser publicado. O que era para ser apenas um intermediário, torna-se um tutor. Claro que a plataforma alegará que “é difícil fazer o que vocês pedem” mas, em seu íntimo, ela se rejubila porque ganhou poder: examinará o que nela colocamos, e sancionará  o conteúdo. Foi elevada a um patamar que não tinha.

Não creio que este seja um caminho promissor. Pessoalmente, preferiria plataformas mecânicas e “burras”, responsabilizando diretamente aqueles que as usaram pelo mal causado. Há certamente casos em que a plataforma não é nada ingênua, e faz parte de sua estratégia a manipulação dos dados de seus usuários, e estaríamos em um estado avançado de deterioração. Mas mesmo em casos em que não há flagrante e ilegal abuso, persiste a leviandade com que tentamos nos eximir, da falta de uma maior temperança ao nos manifestarmos, a imersão no mar de futricas em que estamos gaiatamente nadando.

Laboramos em nosso desfavor ao pedirmos às plataformas que supram o que deveria estar acima delas: que apaguem coisas de que não gostamos, que desliguem usuários apenas por deles discordarmos. Há, é claro, regras de conduta a serem seguidas e que podem levar a sanção de usuários, mas esse cenário deveria ser estático e não dependente do calor momento. Como disse Joseph Reagle, “na internet, seu clique é seu voto”: afinal quantos ambientes já não sumiram por falta de cliques? Temos o voto - votemos certo!