terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Eliza: Conte-me seus problemas


Em época de conexão global, é de se esperar a chuva de notícias duvidosas, de perfis artificiais e de interlocutores automáticos. Nos anos 50, o matemático e pioneiro da computação Alan Turing havia proposto um teste que permitiria distinguir se nosso interlocutor é humano ou cibernético.No “teste de Turing”, sem que se possa ver o interlocutor, faz-se perguntas e, pelas respostas recebidas nesse diálogo, toma-se a decisão: é humano ou não. 

Se um programa de computador conseguir enganar os que o inquirem, esse programa terá passado no teste e chegado ao ponto de ser confundido com humanos. Lembro-me de Eliza, um programa escrito para simular diálogo sensato. Especificamente, recordo-me de uma versão em que Eliza se comportava como um “psicólogo”, o que lhe dava a vantagem de poder responder com outra pergunta e de ignorar convenientemente ilações mesmo que óbvias. Chegou a ter versão em português, e era bem divertido nos anos 70 “conversar” com Eliza usando os velhos terminais.

O teste de Turing prevê apenas texto para a interação. Claro que, se fosse possível ver o interlocutor, falar com ele, trocar olhares ou emoções, a sofisticação necessária para ele se fazer passar por humano seria muito maior e, creio, ainda estamos longe (ufa!) de ter que enfrentar esse problema. 

Mesmo assim, e como previsto no filme Blade Runner: O Caçador de Androides, será cada vez mais difícil discernir entre um robô e um humano. É interessante ver a evolução semântica da própria palavra “robô”, forma aportuguesada de “robot” que, muito provavelmente, vem do eslavo “rabota” significando algo como “trabalhador compulsório”: alguém que tem a obrigação de executar uma tarefa. Há quem diga que “arbeit” (“trabalho”, em alemão) compartilha da raiz linguística de “rabota”. 

Não havia, portanto, muito glamour no conceito original do robô: um servidor basicamente mecânico. Com a adição da capacidade de processamento a palavra adquiriu um significado mais sinistro, afim à ficção científica, que via em sua “humanização” um espectro de perigos. Não por menos Isaac Asimov escreveu o famoso Eu, Robô, onde enuncia o que seriam a regras morais básicas para a evolução segura desses mecanismos.

Na Internet não vemos, ainda, robôs, mas há uma grande população de “bots”, redução de “robots”. Há programas que escravizam computadores de terceiros para transformá-los em zumbis (“bots”) e usá-los como meios de ataque, e há os que parasitam as máquinas para roubar dados ou capacidade de processamento de forma invisível. Mas há também “bots” autônomos, que se comportam como perfis em redes sociais ou como indivíduos reais, que espalham notícias com propósitos obscuros, que arregimentam seguidores. 

Esses “bots”, conforme descrito por Turing, interagem conosco normalmente em texto. Se na categoria dos “bots” invasores há como ter alguma prevenção, evitar contágio e não cair nas armadilhas, na segunda, a dos autônomos, a tal “engenharia social” desempenha um papel central. O elo mais fraco da cadeia de segurança muitas vezes é o humano. 

E, sendo cínico, se aplicarmos o teste de Turing hoje, é bem provável que o erro mais frequente não seja o de detectar máquinas como se humanos fossem, mas o de concluir que alguns dos comportamentos humanos que encontramos parecem mais adequados a máquinas



quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Logofobia

É novo ano, com batalhas a lutar (e, eventualmente perder, mas sempre galhardamente...). Assim, começo com um texto que pouco (mas algo!) tem a ver com tecnologia, aventurando-me em águas hostis. Na antiguidade, um sapateiro, ao ver um quadro do famoso pintor Apeles, teria comentado que as sandálias não estariam corretamente retratadas. Apeles deu razão ao especialista e retocou as sandálias. Em seguida, entretanto, o sapateiro passou a criticar outros aspectos do quadro, ao que Apeles, incisivamente, retrucou: “sapateiro, não vá além das sandálias”... Estarei indo além delas?

O fato é que palavras novas surgem a cada dia, e isso me traz um certo medo, “logofobia”. Ajoelhado no milho, reconheço que parte da “culpa” deve ser atribuída à tecnologia e à velocidade com que precisamos nos expressar, nem sempre com precisão e elegância.

Já foi aceito e dicionarizado o “deletar” algo; pode ser que, em breve, vejamos “printar” um texto, ou “imputar um dado” também consignado nos léxicos. Adições inúteis, por trazerem zero informação nova e por duplicarem termos já existentes em nossa língua. Essa tendência também se vê em muitas outras áreas: horrorizado ouvi (e li) que neste Natal foram ofertados “gifts”. Ora, pois!

Não se trata de discutir ou atacar os conceitos que se pretende exprimir com os “novos vocábulos” – longe disso – mas preservar um mínimo de fidelidade ao vernáculo, à semântica e ao bom senso...

Vou a alguns casos: O que seria, por exemplo, “gordofobia”, aberração vocabular que circula por aí? Eu, por exemplo, não tenho fobia, medo de gordos, muito menos aversão, são-me simpáticos e nem um pouco assustadores. Tenho medo de beiradas altas, sou acrofóbico, e medo de cobras, tenho ofidiofobia, mas, de gordos, certamente não...

Claro que o sentido que se quer passar não é de medo, mas sim contra a estigmatização, a ojeriza, ou, mesmo, o ódio. Nesse caso, o radical envolvido seria outro: miso. Os misantropos odeiam serem humanos, os misóginos detestam mulheres. Se é para manter o “fobo”, que se junte outra raiz grega: que tal lipofobia? Ou, com “miso”, lipomisia? Os latinos apostrofariam os que ainda nos preocupamos com isso: oleum perdisti!

Igualmente disforme é “heliporto”. “Porto” sabe-se o que é mas... o que seria “heli”? Um pedaço de “hélice”? Voa-se só com um pedaço da hélice? 

Aproveito para pontuar que essas invencionices não são “jabuticabas” nacionais. Os norte-americanos também são férteis em criar barbarismos (por emulação, nós os copiamos).Veja-se “workaholic”, que significaria a fixação em trabalho. A justaposição traz “work” com... o final de “alcoholic”. Mas nesse “holic” sobra um pedaço de “alcohol”. Se “ic” final, sozinho, dá a noção de “fixação” “alcoholic”, do jeito que ficou, “workaholic” dá a ideia de fixação em trabalho e... em álcool. Trata-se de alguém que trabalha bêbado?

“Hackathon” e outras novidades surgem terminadas em “athon”? Parece que a intenção era dar ideia de uma maratona de “hackers”. Mas “maratona” é o nome de uma planície (e da erva doce), não decomponível em mar + atona. Ou seja, essa desinência “athon”, sozinha, não traz sentido. E, se fossemos aportuguesar, seria “racatona” para suprir o “h” aspirado inicial. Mas aceito a justa crítica: “ne sutor ultra crepidam!”. Bom ano!




Caco Galhardo, https://cacogalhardo.wordpress.com


https://myowncommonplacebook.wordpress.com/2013/07/26/nao-suba-o-sapateiro-acima-da-chinela/




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