Na Internet torna-se cada vez mais difícil encontrar um tópico que possa ser discutido com um mínimo de objetividade. Parece que conscientemente escolhe-se o confronto e os ataques ad hominem, seja por ser mais efetivo, seja por não exigir trabalho mental adicional. O papel que a Internet pode ter no acirramento deste comportamento mereceria uma análise dos que entendem de comportamento humano. Por ser perene entusiasta da inclusão de todos via Internet proporciona, arrisco-me a uns pitacos de diletante.
Rene Girard, um pensador falecido há seis anos, trata de características humanas que podem ter sido exacerbadas pela ferramenta que a rede é. Sobre ações e desejos, Girard afirma que normalmente mimetizamos, buscamos copiar a postura de alguém. Se, com conforto e facilidade, imitarmos nosso “modelo”, podemos pensar menos. Nossos próprios desejos seriam os desejos do outro, do indivíduo a que consideramos digno de imitar, e acabaremos por internalizar o mesmo desejo. Valorizamos algo, ou nos opomos a algo, apenas para ecoar o que nosso “influenciador” faz. E “influenciador” aqui vem a propósito, porque a analogia com a Internet parece patente. O próprio epíteto de “influenciador” já desvela a intenção...Se mimetizar é intrinseco ao ser humano, há um aspecto de escala. Antes da comunicação ampla que temos hoje, poucos seriam suficientemente visíveis para serem escolhidos como “balizadores” de nossos desejos e ações. Poucos a seguir, mimeticamente. A rede “profissionalizou” essa atividade: hoje times de seguidores dos auto-propostos “influenciadores” alinham-se em campo, para as batalhas do dia-a-dia com muitos adjetivos e parca substância. Outro ponto que pode ser gerador de tensão e violência é a eliminação de barreiras contextuais. Como – e isso é sempre muito bom! – todos podemos falar e participar de qualquer discussão na rede, não temos pejo em arremessar indiscriminadamente frases contra quem não siga pela cartilha do grupo a que pertencemos e ecoamos. Em fase de euforia e deslumbramento não há tempo para aprofundamentos, sob o risco de se perder o momento da discussão. Assim não importam as credenciais dos outros – responderemos a qualquer um deles, e, se possível, num tom acima. Esse comportamento já existia no velho tempo do correio eletrônico. Em listas de discussão dizia-se que “os que menos tem a dizer, muitas vezes são exatamente os que tem mais tempo para falar”.
Segundo Girard, o que ele chama de crise mimética “é uma situação de conflito tão intensa que, em ambos os lados, as pessoas agem e falam da mesma forma, tornando-se cada vez mais hostis ao replicar a hostilidade do outro grupo. Em conflitos realmente intensos, as diferenças entre os lados em conflito, ao invés de se tornarem mais agudas, igualam-se”. Parece confirmar o que Nietzsche havia postulado, em Além do Bem e do Mal: “a insanidade é algo raro de se encontrar em um indivíduo. Já em grupos, partidos e épocas, é a regra”…
— Friedrich Nietzsche, Beyond Good and Evil