Se o decálogo cristão estipula, no seu sexto mandamento, que não se deve pecar contra a castidade, no decálogo para a Internet, o CGI (Comitê Gestor da Internet no Brasil) afirma a neutralidade no acesso à Internet: “filtragem ou privilégios de tráfego devem respeitar apenas critérios técnicos e éticos, não sendo admissíveis motivos políticos, comerciais, religiosos, culturais, ou qualquer outra forma de discriminação ou favorecimento”.
Essa neutralidade da rede, que sempre foi estritamente respeitada no Brasil e na grande maioria dos países, fez com que todos saudassem a oportunidade única que se abria, não apenas para que indivíduos pudessem dialogar eletronicamente, mas também para o acesso seguro e sem limites geográficos aos mais variados materias. Cite-se o deslumbramento que foi poder acessar, já em 1994 e com Mosaic, o navegador de então, a biblioteca do Vaticano e o museu do Louvre. Eram as primeiras obras digitalizadas e colocadas à disposição via rede.Também é importante reconhecer que, comparativamente ao que tínhamos em 1994, o cenário hoje é muito mais complexo e, de alguma forma bem mais concentrado; mas o espírito fundador inicial precisa ser mantido. É importante que cada um continue livre para expressar-se e para ir onde queira via rede. Quem abusar da liberdade estará sujeito ao que rezam as leis nacionais. A liberdade é também, afinal, a liberdade para praticar eventuais abusos, desde que, claro, sempre se responda por eles: ao exercício da liberdade prende-se o ônus da correspondente responsabilidade. Impedir alguém, a priori, de exercer seu direito à expressão, baseando-se em considerações sobre riscos que tal manifestação traria, certamente parece abusivo. É muito mais saudável obter-se um processo legal rápido, que determine se e qual violação ocorreu, submetendo o possível violador ao peso da lei.
A Internet é riquíssima em conteúdos de valor muito variado, e em ferramentas que permitem nossa expressão. A neutralidade garante que possamos acessar tudo que há, independentemente de onde se localiza. Quanto às ferramentas, parece cada vez mais importante criar uma taxonomia sobre a sua ação. Que interferência elas podem ter no conteúdo que publicamos e naquele que nos chega automaticamente? Somente após a identificação dos papéis que diferentes atores na rede têm, desde o usuário final ao conjunto de intermediários, poderemos concluir pela responsabilização adequada de cada um, face a um conteúdo ilegal ou abusivo.
Pedindo licença para forçar um pouco a analogia, haveria um paralelo entre os sextos mandamentos citados, que podemos arriscar aqui. Talvez “manter a neutralidade da rede” possa ser lido como “preservar a castidade da rede”, mantendo-a pura, sem deformações e obstáculos, por mais que se aleguem propósitos nobres.
https://cgi.br/resolucoes/documento/2009/003/
https://super.abril.com.br/tecnologia/internet-ligacao-direta-com-o-mundo/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Neutralidade_da_rede