A convergência e a integração cada vez mais rápida e intensa de diferentes linhas de desenvolvimento de tecnologias, digitais, biológicas e de comportamento social, impõe que a defesa de conceitos deva se basear argumentos principiológicos, não sucetíveis a pressões do momento. Exemplo disso na área digital são as ações de preservação do ambiente Internet básico, visando à inclusão de todos e com conectividade significativa que permita acesso à informação e troca de experiências. São características inerentes a proteção dos dados pessoais e da privacidade. Outra conclusão é a necessidade de apoio firme e constante a todos possam lançar mão de criptografia livremente em suas mensagens na rede.
Preservado esse nível básico, vem a discussão sobre contruções várias, cujos impactos devem ser examinados, e que podem representar reais ameaças a direitos fundamentais. Algumas das palavras-chave em voga, que despertam nossa atenção e análise, referem-se à “Internet das coisas”, à crescente presença da inteligência artificial e, numa vertente talvez menos visível, à IoB, a “Internet dos corpos”. Se já é claro que a Internet das coisas pode trazer preocupações, especificamente quanto à privacidade, que devem sempre ser levadas em conta, o mesmo ocorre com inteligência artificial, haja vista as discussões sobre seus eventuais viéses, reconhecimento facial, detecção de emoções e previsão dos comportamentos individuais. O terceiro exemplo citado, a Internet dos corpos, não ganhou ainda maior visibilidade, mas merece atenção. Temos um grande desenvolvimento em nanotecnologia, que pode ajudar em medições, diagnósticos e tratamentos, e há cada vez mais atuadores digitais que se integram ao nosso corpo, externa ou internamente, ajudando no combate às suas disfunções. É importante constatar que esses equipamentos acabarão por ser controlados também através de conexões à Internet. A primeira preocupação óbvia é de segurança: imagine-se alguém sequestrando injetores de insulina e exigindo resgate em troca de não alterar seu funcionamento... Certamente um pesadelo que não gostaríamos de constatar.A tendência do mercado, em concentração de ações na área da saúde via dispositivos, está em franca expansão. Bastando acompanhar a movimentação recente de grandes companhias de tecnologia. Porém há coisas ainda mais insidiosas: imagine-se que fármacos e dispositivos conectados possam atuar em nosso cérebro, tornando-nos potenciais zumbis. Esse tipo de ameaça vem disparando há alguns anos a discussão sobre “neurodireitos”, em que valores como direitos à nossa identidade pessoal, sanidade mental, autodeterminação e personalidade deveriam ser preservador em lei. Há uma recomendação da OEA sobre isso e, inclusive, um novo item na constituição do Chile, há um ano, prevê a proteção dos “neurodireitos”. Não é algo que possa ser tratado levianamente. Uma discussão ampla e pública sobre o tema deveria começar antes que surjam propostas açodadas de legislação, ou que danos já tenham sido produzidos.
https://opiceblum.com.br/chile-aprova-emenda-a-constituicao-para-proteger-neurodireitos/
https://en.unesco.org/courier/2022-1/rafael-yuste-lets-act-its-too-late
https://neurorightsfoundation.org/
https://voicesofvr.com/994-neuro-rights-initiative-a-human-rights-approach-to-preserving-mental-privacy-with-rafael-yuste/
https://en.wikipedia.org/wiki/Rafael_Yuste
https://www.searchingmedical.com/media/138/what-does-consumer-neurotech-innovation-mean-for-the-medical-device-industry
https://www.rand.org/pubs/research_reports/RR3226.html