domingo, 20 de setembro de 2015

Resiliência

“Quem controla o passado, controla o futuro. E quem controla o presente, controla o passado” (George Orwell, 1984). A Internet será uma ferramenta de controle ou um caminho de liberdade? É uma pergunta difícil, cuja resposta dependerá de opiniões e vieses. A própria percepção que temos da rede tem sido mutante no decorrer to tempo. A evolução visível da rede pode identificar paradigmas e dar pistas para a resposta. Sua expansão significou certamente uma ruptura importante, com as que ocorrem de tempos em tempo. A Internet tem cerca de 40 anos e a ruptura que provoca vai bem além da tecnológica. Uma invenção disruptiva segue, por sua vez, uma evolução gradual que busca aprimorar sua aplicação sem abandonar a essência. O automóvel à explosão, por exemplo, não é essencialmente distinto do que havia há 100 anos: trata-se da mesma ideia, para a mesma finalidade, com o mesmo suporte tecnológico básico, em constante evolução mas sem nova ruptura (mas, com certeza, mudanças radicais podem ocorrer a qualquer momento…)

É também comum que evolução sem ruptura ocorra em “espiral”: alguma característica secundária pode ser abandonada por algum tempo e voltar mais tarde, com força e em outra roupagem tecnológica, com outro nome. Isso acontece porque a tecnologia facilita o que antes era difícil, mesmo que já buscado. Na computação dos anos 70, por exemplo, o foco era o “mainframe”: aquela máquina central a que todos se dirigiam para obter capacidade de processamento. O “centro” foi sendo minado pelo processamento local, em nossa mesa, em computadores pessoais e estações de trabalho. Mas o conceito do “poder central” não morreu e, de alguma forma, é retomado agora, redivivo, com a “nuvem”, nossa nova “Meca” para a obtenção de serviços. Computação na “nuvem” é a volta ao “modelo centralizado”, mesmo que pareça imaterial?

A tendência de “volta às origens”, esse “eterno retorno”, tem um nome apropriado: resiliência, do latim “resilire”, volta ao estado anterior. Refere-se à autodefesa, uma resistência a mudanças que buscam desfigurar o que nos é caro. E há sim resiliência na Internet: começou distribuída e colaborativa, sem controle central, aberta à livre experimentação e… ela quer continuar a ser assim.

Com as sucessivas ondas de novos atores, vieram formas de comercialização, monetarização e comportamento que não existiam. Afinal, dados pessoais tem valor! Preferências, navegação e hábitos podem ser explorados comercialmente. E a rede pode também servir para que informações de “segurança” sejam coletadas, mesmo que à revelia. Não era o que se tinha em mente nos anos 80. Mas os conceitos resistem e, quando a tensão chegasse a certo ponto, haveria reação de defesa.

Pode-se identificar a resiliência da Internet com o crescimento da criptografia simples (PGP, 2007), nas propostas de moedas independentes (Bitcoin, 2009) e na criação de novas formas de navegar (TOR – The Onion Router, 20 de setembro de 2002 – há exatos treze anos). Sem discussão do mérito, de falhas inatas, ou daquelas que o uso inadequado das ferramentas permite, pode-se dizer que é uma resposta de defesa, esperada, contra o rastreamento da navegação, monitoramento de interações e ataques à privacidade.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Trocas de tráfego

Há dez dias o conjunto de PTTs operados pelo NIC.br atingiu um pico de 1 Terabit/s. Tera, da raíz grega de “monstruoso”, é um número bem grande: mil vezes Giga (“gigante”, bilhões) ou um milhão de vezes Mega (“grande”, milhões). É o último múltiplo cujo nome ainda mantem coerência semântica: após o Tera, na falta de mais superlativos, seguem-se coisas estranhas como Peta e Exa, deformações de nomes de números como Penta (5) e Hexa (6) talvez inspiradas por Tera ser parecido com Tetra (4).

O fato é que 1 Terabit por segundo é um tráfego mundialmente reconhecido como volumoso e que continua a crescer em bom ritmo. PTT é uma abreviatura que, por ter internacionalmente diversos usos, leva a confusões como asssociá-la a “Public Telephony and Telegraphy” ou “Push-To-Talk”. O NIC.br preferiu adicionar outro acrônimo, internacionalmente mais específico: “IX” “Internet eXchange”. Mas o que vem a ser um PTT e para que serve?

Quando trechos de rede acadêmica começaram a se estabelecer, a maneira de construí-los era alugar, às operadoras, canais de telecomunicação com capacidade suficiente e, ligando-os a equipamentos de roteamento, configurar uma espinha-dorsal (“backbone”) da rede. Nela, as sub-redes e os computadores participantes se conectariam. Note-se que protocolo usado para transporte de conteúdo nesses canais era o definido pela rede em questão: se fosse um pedaço da Internet, por exemplo, o conteúdo seria transportado por TCP/IP. As operadoras alugavam “canais limpos” com a capacidade de banda solicitada e ficava por conta da rede como eles seriam “preenchidos”. Quando o TCP/IP consolidou-se como protocolo padrão, as operadoras passaram a vender conexão já com TCP/IP incluído, ou seja, a oferecer acesso ao próprio “backbone”.

Pela interconexão com as demais operadoras, haveria acesso à Internet como um todo. O cliente agora não precisava mais “ver” a topologia da Internet: bastava contratar a banda necessária e deixar o resto por conta da operadora.

Em grandes cidades, entretanto, parte da banda contratada serve para “cruzar a rua” para ir até a empresas localizada “ao lado”. Ou seja, a mesma banda que podia levar até um serviço na Mongólia também seria usada para ligar a um vizinho. E como o vizinho podia estar se valendo de outro operador, esse “atravessar a rua” poderia significar uma ida a Miami, trocar de operadora por lá, e fazer o caminho de volta. A criação de pontos metropolitanos de interconexão racionaliza isso: as conexões locais podem ser resolvidas localmente, com os interessados trocando tráfego diretamente no PTT metropolitano. E tudo que não estiver ligado diretamente ao PTT continua acessível através da conexão genérica à Internet, ou seja, o PTT em si nem é crítico, nem introduz riscos de conectividade.

O PTT comporta-se, portanto, como uma “praça” em que se resolve a troca de pacotes locais da Internet, a custo muito baixo e com alta eficiência. Ele elimina o “turismo” desnecessário de pacotes pelo mundo, melhora o tempo de trânsito e permite contacto ágil e simples entre provedores e consumidores. Por não se localizar dentro de um ponto de presença local de uma operadora de telecomunicações, é neutro em relação à estrutura.

Numa linguagem mais técnica, o PTT interliga sub-redes (Sistemas Autônomos) que queiram trocar tráfego local de Internet e, com isso, aumenta a eficiência, a resiliência e a estabilidade da rede. O PTT atrai os provedores de comércio eletrônico, de conteúdos e de entretenimento nas mais variadas formas, desde texto até “streaming” de música ou vídeo. Com isso, o provedor pode estar muito mais perto do consumidor, melhorando a qualidade percebida do serviço. Não é à toa que o pico de uso do PTT hoje ocorra às 22 horas, quando a maioria de nós está em casa, usando serviços de entretenimento via Internet.

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https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,trocas-de-trafego,1757704
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