segunda-feira, 29 de junho de 2015

O que há num nome?

Pizza.com é um nome de domínio que foi vendido por cerca de US$ 3 milhões em 2008. Outros custaram muito mais. Essa valorização explica em parte a corrida por novos TLD (Top Level Domain) genéricos que a Icann (Internet Corporation for Assigned Numbers and Names) disparou em 2011.

Na semana passada, foi realizado em Buenos Aires o encontro Icann 53. Como sabemos, a Icann ganhou a concorrência de privatização da Iana (Internet Assigned Numbers Authority), organização que cuidava dos recursos coordenados da Internet: distribuição dos endereços (números) IP, gestão da raiz de nomes da rede (como .br, .com, .org), além de ser repositório de documentos, parâmetros e definições técnicas.

Na origem da rede operavam apenas os TLDs .com, .net, .org, .edu, .gov, .mil e .int. Com sua expansão para além das fronteiras dos EUA, foram criados domínios de duas letras, que se referiam a territórios e códigos de país (ccTLD). Surgiram mais de 200, entre eles o .ar, .br, .za etc.

O registro sob todos os domínios era à época sem custo. Em 1995, os domínios .com, .net e .org passaram a ser administrados por uma empresa, a Network Solutions, e a ser cobrados. Também perderam a conotação de “norte-americanos” e consolidaram-se como “genéricos”, gTLDs, ou seja, não restritos a determinado país.
A concentração da operação desses três domínios genéricos em uma única empresa gerou tensões e atraiu muitos empreendedores para o negócio de operar domínios genéricos.

Assim, no cenário em que o Icann assume a Iana em 1998, estava subentendido que uma das metas seria a criação de mais domínios genéricos para tornar esse mercado menos concentrado. Sete domínios foram logo criados, mas passou-se tempo até que o Icann abrisse chamada a interessados, englobando mais de 1.900 propostas de nomes genéricos. Hoje, cerca de 600 deles já existem na raiz de nomes e começam lentamente a se disseminar pela Internet.

É isso bom ou mau para rede? Os que defendem o programa dirão que ele permite a criação de novos rótulos relacionados a locais geográficos, atividades, marcas etc. É o caso dos domínios .berlin, .club, .lgbt, .toyota etc. Os que não são favoráveis dirão que é apenas uma iniciativa comercial, tentando tirar proveito de nomes interessantes.

Um caso emblemático foi discutido na Icann 53: o TLD .sucks, que significa “algo desagradável, que aborrece e incomoda”. Os que defendem o .sucks dirão que é uma forma da comunidade expressar seu desagrado, criando um sítio sob nome do serviço, marca, pessoa que quer criticar.

Os que veem nele um “caça-níqueis” apontarão para o fato de que o .sucks cobra milhares de dólares para o registro de palavras que eles próprios avaliam como “interessantes”. E se alguém quiser se proteger, pode ser que tenha que comprar o próprio nome lá. Esse potencial de “chantagem” existe sempre que um novo domínio genérico é criado. É de se apoiar tal uso?

Como disse Shakespeare pela boca da gentil Julieta, afinal, qual o valor intrínseco de um rótulo? “Chamássemos a rosa de outro nome, teria ela ainda assim o mesmo doce perfume!”

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Feijoada dietética

Hoje discute-se muito a validade de propostas como Internet.org. Seria uma boa ideia trazer à rede os que têm equipamento móvel mas não podem pagar pacotes de dados? Mesmo que esse acesso seja possível apenas a uma parte fechada e segregada da rede? Ou seria essa uma forma de violar neutralidade da rede em si, dando ao usuário uma visão restrita da Internet e fazendo-o pensar que se trata da rede toda? 

Queremos preservar as características essenciais da Internet. É nessa direção que o decálogo do CGI.br foi publicado em 2009 e em que o próprio Marco Civil seguiu. Duas dessas características são a possibilidade de livre inovação e a neutralidade dos protocolos da rede. Na Internet não só é difícil fazer profecias sobre o que surgirá, como nada do que é novo precisará de licença para “dar as caras” na rede: bastará que siga os padrões acordados. Poderá tornar-se um sucesso em poucos anos, ou cair num esquecimento impiedoso, dependendo de como a comunidade o receber.

Aplicativos e propostas surgem continuamente e a Internet acaba por, darwinianamente, selecionar os mais competitivos. Por outro lado, os mesmos protocolos que permitem a inovação sem barreiras leem os envelopes do que trafega, mas, sabiamente, ignoram o conteúdo. Não importa para a rede se um pacote carrega um importante trecho de mensagem, um pedaço de fotografia ou parte de uma música. E, além de não violar o conteúdo, não vetam origens e destinos da mensagens: é a neutralidade dos protocolos.

No Internet.org, nota-se um problema já no nome. “Internet.org” leva-nos a pensar que se trata da Internet em si, mas isso é falso. É um serviço que, ao tempo em que se propõe “grátis”, é também restrito. Claro que “grátis” nada é, mas esqueçamos isso por enquanto.

Imaginemos um restaurante que anuncia “feijoada grátis” a quem quiser. Vamos com nosso prato ao balcão e recebemos nele uma colherada de couve. “Feijoada é mais que isso”, dirão, aborrecidos, os que conhecem. Mas, mesmo esses não teriam motivo de decepção se o cartaz anunciasse “couve grátis”. E, para os que nunca houvessem provado da feijoada, poderia parecer que feijoada é algo parecido com um punhado de couve refogada... Concluimos que o nome de “Internet.org” não é apenas inadequado como pode gerar uma falsa percepção aos marinheiros de primeira viagem.

Independentemente do que achamos desse pedaço de couve fornecido, se aos bois fosse dado o nome correto, a razão de revolta seria menor. Afinal nada impede que existam serviços restritos e limitados na Internet, mas eles não se confundem com o “acesso à Internet”, que deve ser amplo, neutro e sem restrições.

Há, portanto, que respeitar ambos os princípios que aqui foram citados: deixar a livre experimentação na Internet sem levar ao engano usuários, fazendo passar a parte pelo todo e, ao mesmo tempo, manter o conceito do acesso à rede geral amplo e neutro. Quem quiser provar da couve, especialmente os que nunca provaram da feijoada, deveria saber que há mais do que couve na Internet. E que não venham a nos dizer que cuidam “do nosso bem” fornecendo-nos uma “feijoada dietética”!