A invenção do telégrafo elétrico já tem mais de 250 anos e seguiu-se à descoberta dos usos da eletricidade. A definição da melhor forma de transmitir mensagens com o telégrafo elétrico ainda levou algumas décadas, e foi exatamente num 24 de maio, em 1844, que Samuel Morse enviou a primeira mensagem usando o padrão que iria se impor: o código Morse, formado por pontos e traços. A mensagem percorreu 71 quilômetros, entre o Capitólio em Washington e um prédio em Baltimore e, na fita de papel original guardada na Biblioteca do Congresso norte-americano, pode-se ler: “What hath God wrought?", algo como “Que coisas Deus tem feito!”.
Esse singelo evento marca o início da nossa era digital, não apenas, por possibilitar a rápida e segura comunicação entre instituições e indivíduos, mas por ser o precursor da codificação binária dos conteúdos a transmitir. Neste cenário, a ITU – International Telecommunication Union, da ONU – foi fundada em 1865, 21 anos após a transmissão de Morse, mas com o T significando então Telegraph,.Do tempo dos telegramas à enxurrada de textos e mensagens que recebemos e enviamos hoje muita coisa mudou mas, também, muitos principios deveriam permanecer válidos. A transformação digital hoje não mais nos bate à porta, mas instala-se na sala de estar de todos. Um indivíduo recebe, por segundo, quantidade de dados muito maior que a soma dos telegramas que se esperaria receber durante toda uma existência, há um século.
Que conceitos originais seguiriam estáveis? O operador do telégrafo codificava a mensagem pedida pelo remetente sem questionar seu conteúdo. Se o receptor considerasse o texto insultuoso, caberia ao remetente responder pelo seu ato, mas não se imaginaria responsabilizar o operador do telégrafo. Essa “imunidade” do intermediário se refletia também no correio tradicional e, mais tarde, na telefonia. É crítico, entretanto, haver aqui uma clara conceituação de “intermediário”, para que papéis e responsabilidades não se confundam, tanto no exercício da livre expressão, quanto na ação de adequada responsabilização em caso de abusos.
Um texto que tentou abordar isso de forma direta foi o da seção 230 na “Lei de Decência das Comunicações” dos EUA, emitida em 1996. Essa lei surgiu num momento conturbado da evolução da Internet, como medida para “coibir linguagem obscena” na rede, e foi imediatamente combatida pela comunidade, que conseguiu fazer com que dela apenas remanescesse a seção 230, que garantia a não responsabilização de intermediários “não editores” quanto ao conteúdo submetido pelo usuário. Ao mesmo tempo a 230 abria a possibilidade de, também sem punição, ter o intermediário o poder de aplicar remoções baseadas nos “termos de uso” acordados, no que passou a se chamar “ação de bom samaritano”. Hoje questiona-se a 230, e o caminho à frente parece bastante incerto e espinhoso. Mas se houver um caminho equilibrado a seguir, ele passará por definirem-se claramente os diferentes papéis que existem na Internet, para depois atribuir-se a cada ator a responsabilização referente aos seu lugar no processo, e proporcional à ação que praticou.