Quando Aníbal, o cartaginês, cruzou a Europa desde a península ibérica até Roma, o grito de horror que se ouvia na cidade era “Hannibal ante portas!”. Roma resistiu a Aníbal, mas caiu 600 anos depois, quando o bárbaro Odoacro depôs o último imperador romano do Ocidente em 476, e cravou o fim da Idade Antiga. Mais de um milênio após sua fundação, Roma caia, mas nem todo o Império Romano. A leste, Constantinopla, a nova Roma, capital do império do Oriente, aguentaria outros mil anos e apenas em 1453 cederia aos turcos. O que teria permitido ao Império Bizantino essa grande sobrevida em relação à parte ocidental? Talvez o trunfo fosse sua blindagem, uma “barreira de entrada”. Era um triângulo encravado numa península, com dois lados banhados pelo mar, onde jazia pesada corrente de ferro, e uma extensa muralha cercando a cidade toda. Roma, construída sobre sete colinas, era mais difícil de proteger.
A “barreira de entrada”, fosse militar, com muros, ameias, fortificações, ou econômica, com o controle das riquezas, dos meios de produção, maquinário, investimentos, ou mesmo legal e cultural, com leis, alvarás, costumes e ritos, era uma garantia de estabilidade. Afinal os impérios sempre cuidam de se defender, inibindo a formação de competidores que os ameacem.
Hoje, com a Internet, esse cenário muda drasticamente. Não apenas a dinâmica gera prazos muitíssimo menores, como “barreiras de entrada” tem sido reduzidas a pó. Os ataques acontecem em ondas, em setores que se sentiam estabelecidos e seguros em conforto. Comércio, informação, interação, criação de público cativo e de comunidades, foram as primeiras manifestações. Mas não para aí: temos os aplicativos, o Uber, o Blockchain, e muitos mais pela frente.
Haveria como prever fenômenos como Uber e outros na Internet? Ninguém tem bola de cristal, mas talvez valha a pena tentar alguma abordagem, mesmo incompleta e falha. A Internet, em certa medida, assemelha-se a uma “onda bárbara” que ameaça as fortificações que temos. “Barreira de entrada” antigas, em muitos casos desaparecem. Ninguém precisa mais de grandes investimentos ou complexas equipes de apoio para ganhar notoriedade e riqueza. Para facilitar as coisas, do lado do consumidor também houve uma grande baixa de expectativas: a seleção por qualidade e custo simplificou-se – hoje, na Internet, há de tudo para todos, e com qualquer padrão de qualidade (ou de falta dela).
Uma forma de tentarmos prever os próximos passos da rede é descobrir fraquezas, “jardins murados” que atrairão ataques. Blindagens baseadas apenas em leis, licenças e burocracia são fáceis de derrubar no mundo novo. Se, para alguém ser taxista, o busílis era, além habilitação explícita, ter a posse de um alvará, eis aí um espaço promissor! A Internet, como um organismo oportunista, identificará no “sistema imune” do mundo tradicional, pontos fracos que sejam atacáveis e rendosos. Pode ser fácil controlar a matéria dentro de fronteiras nacionais, mas a Internet atua no “éter”, de forma transnacional, e contornará esse obstáculo. “Não há matéria na Internet”, já havia postulado John Parry Barlow há 20 anos. As velhas portas balançam!