segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Oba! Temos um segundo a mais em 2015

Os relógios atômicos, de césio, de rubidio, de são muito precisos. Muito mesmo. Mais precisos do que os eventos a que eles visam medir no nosso dia a dia. Até mais precisos do que o necessário... Claro, nada impede que meçamos a espessura de um fio de cabelo, ou de um tijolo, usando um micrômetro.  Ao buscarmos medir o tempo de forma cada vez mais acurada, acabamos por construir um instrumento mais preciso do que boa parte daquilo que objetivamos medir, por exemplo, a duração exata de um dia terrestre. Com a insensível crueza da acuidade do relógio atômico nota-se que a rotação da Terra tem desacelerado, de forma muito lenta mas mensurável, tornando os dias ligeiramente maiores.

De tempos em tempos há que somar 1 segundo aos 86.400 segundos que cada "dia padrão" tem. É importante que as horas do dia não "escorreguem", que o meio-dia seja, de fato, o momento do sol a pino e, por isso, essa diferença deve ser compensada. Daí a necessidade da introdução eventual do "leap second", o "segundo extra".

Certamente esse segundo a mais não seria perceptível em nossa vida comum, nas prosaicas atividades humanas, mas a coisa muda muito quando falamos de informática, de computadores, de satélites, do sincronismo mundial.

Um segundo é uma piscada para nós, mas pode ser uma eternidade para um processador digital. Um microprocessador corriqueiro que use um relógio interno de 3GHz poderia, por exemplo, executar bilhões de instruções nesse segundo. Pior que isso, se esse segundo adicional não for adequadamente tratado, há o forte risco de problemas: uma ação de um processador poderia durar zero "tiques" de relógio interno ou, mesmo, durar um tempo "negativo". E, como todos sabemos, não é necessário muito para que coisas travem, programas desandem, sistemas operacionais congelem.

Assim, em 30 de junho de 2015, para atendermos ao sincronismo terrestre, exatamente às 21 horas teremos que esperar por um segundo a mais.

Em ocorrências anteriores da inserção do "segundo extra", em 2012 e 2008, alguns problemas com máquinas e sistemas foram descritos. Não é o fim do mundo, nem um novo "bug do milênio", mas é importante dedicar tempo e atenção ao evento, para que os incidentes não se repitam em 2015.

A notícia boa é que hoje, com tudo e todos ligados à rede, é mais fácil (e mais importante!) obter sincronização entre os relógios dos equipamentos eletrônicos, tanto para uma referência adequada de eventos e ocorrências, quanto para mater o ritmo.

O IETF (Internet Engineering Task Force) trabalhou nesse sentido. Um protocolo foi proposto, discutido e aceito para que a sincronização dos equipamentos possa ser feita automaticamente pela própria rede: o NTP (Network Time Protocol) tem uns 30 anos de existência e retrabalho desde o RFC 958 (1985) até a versão mais atual, o RFC 5905 (2010).

Quem tiver interesse em instalar NTP em seu computador (muito recomendável!) pode olhar no sitio ntp.br onde há extensa documentação em português.

De resto, "... nada pode lutar contra a foice do tempo" (Shakespeare, soneto 12).

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

IETF: A força-tarefa que organiza a rede

Está na hora da lista das boas resoluções para 2015 e vai aí uma sugestão: que tal participar de alguma reunião do IETF? São três por ano. A próxima (a 92ª) será em março, em Dallas, Texas. Para os técnicos, ir ao IETF pode equivaler a fazer o caminho para Santiago de Compostela. Há até um guia, The Tao of IETF, traduzido como O Livro do IETF e que explica a dinâmica e a etiqueta nas reuniões.

O IETF (força-tarefa de engenharia da Internet, na sigla em inglês), reúne milhares de voluntários que discutem e produzem documentos técnicos e padrões da rede. Trabalha-se com padrões abertos obtidos por consenso, disponíveis publicamente, de aceitação voluntária e livres de royalties. Regras claras que permitam um trabalho em conjunto na rede. Participam do IETF técnicos, pesquisadores, professores, estudantes e qualquer interessado.

Desde janeiro de 1986 produz RFCs (“request for comments”) das quais temos já quase 7.500. A grande maioria são apenas informativas, ou históricas, ou superadas por outras, mas todos os padrões que regem a Internet estão lá, rebatizados como STDs. A definição do TCP (protocolo de controle de transmissão, padrão usado para trâfego de dados na Internet) é a RFC 793, ou STD7 e há apenas 79 STDs.

Outra categoria é a das RFCs que se tornaram “melhores práticas comuns”: as BCPs. Há 193 BCPs hoje (inclusive com co-autoria de brasileiros, como a BCP 140, ou RFC 5358, de Frederico Neves, do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR, NIC.br).

Fui a reuniões do IETF nos anos 90, das quais guardo ótimas e gratas lembranças. Um dos motivos de não voltar a frequentá-las – à parte minha natural obsolescência e às outras atividades – tem a ver com o que o saudoso escritor Rubem Alves recomendava: se gostou muito de algum lugar, melhor não voltar a ele, mesmo porque não há como voltar: o que ele representou não existe mais. Sem exageros, foi divertido participar do IETF naquela época, e deve continuar a sê-lo hoje.

Uma presença constante era a do falecido Jonathan (Jon) Postel, que era ao mesmo tempo um fundamental pioneiro da Internet, e a personificação de uma instituição, a Iana (Internet Assigned Numbers Authority). Outros sempre presentes eram Vint Cerf, Bob Braden e Steve Crocker (autor da RFC 1). A RFC 1336, de 1992 é uma coleção de minibiografias dos participantes.

Os frequentadores típicos usavam camisetas, jeans e sandálias, além das mochilas e das longas melenas. Algo como um Woodstock tardio. A exceção era Vint Cerf, sempre de terno com colete. Mesmo ele acabou abrindo exceções: num IETF vestiu uma camiseta com os dizeres “IP everywhere”, que em inglês pode ter o duplo sentido de “IP em todos os lugares” e “eu urino em todos os lugares”.

Para reunir os interessados em discutir o TUBA (RFC 1347 – TCP and UDP with Bigger Addresses), um protocolo de 1992 e hoje abandonado, que substituiria o IPv4 em vias de esgotar, Ross Callon, seu proponente, percorria o recinto com um tocador de tuba. Já na camiseta do Postel lia-se “vivemos em tempos interessantes, e ainda temos muito a fazer…”. Mas essa história fica para uma próxima.