segunda-feira, 27 de junho de 2016

Franquias, francamente.

Em voo para Helsinque, onde começa a reunião da ICANN (Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números, na sigla em inglês) com importantes novidades quanto à transição da IANA (Autoridade para Atribuição de Números da Internet, na sigla em inglês), noto que cada vez é mais comum existir Wi-Fi, grátis ou pago, para uso pelos passageiros em viagem.

Quando em hotéis, aeroportos, restaurantes, é quase imediato os que têm equipamento móvel buscarem acesso à internet via Wi-Fi. E o que limita o acesso à rede é a velocidade ofertada pelo ponto, ou o tempo de conexão. Num hotel, por exemplo, pode haver oferta grátis ou paga (com maior velocidade), que pode ser contratada por dado período: horas, dias, estadia. É a confirmação de que ter acesso à internet é uma necessidade de (quase) todos hoje.

(Antes de tudo, um aviso: engenheiros não gostam, com certa razão, de usar qualificativos como “larga”. Afinal, quão grande deveria ser a banda para ser considerada “larga”?)

Modalidades de banda larga que temos: a banda larga fixa, que foi, historicamente, sempre contratada por velocidade, e a móvel, que usa o suporte da telefonia celular, onde optou-se por quantidade de dados, por “franquia”. Há argumentos para essa diferença. Na banda larga fixa o modelo aproxima-se mais do determinístico: as conexões são fisicamente definidas (as casas não mudam de lugar!), enquanto na móvel há o dinamismo natural e uma imprevisibilidade no número de aparelhos presentes em cada célula num dado momento, o que torna difícil garantir velocidade. Também a forma de uso é diferente: na fixa, o usuário dedica-se, com mais profundidade, a ler textos, a examinar processos ou a assistir filmes, no uso móvel, o apanágio é a comunicação rápida e curta, a notícia disponível instantaneamente, de forma ubíqua.

Sob argumentos questionáveis, levanta-se a discussão da oportunidade de se implementar franquias na banda fixa, além da natural limitação referente à velocidade contratada. “Nada é ilimitado”, dizem. Sem dúvida. Por isso na modalidade fixa contrata-se velocidade. Esse é o limite. Se queremos mais velocidade, precisamos contratar um plano superior ao que temos.

Implementar um duplo controle, de velocidade e de quantidade pode ser uma forma disfarçada de vender o que não conseguem entregar. Apregoa-se uma velocidade fantástica, mas que só poderá ser usada por minutos, porque se atingiria a franquia, que seria também consumida por dados não solicitados. Repassar-se-ia ao consumidor um problema difícil: que plano escolher?

Outro argumento é o de “custos crescentes”. De fato, com velocidades maiores aumentam os custos de infraestrutura e de conectividade em direção à rede. Mas, além disso não ser nada proporcional, há que se considerar que a estrutura deve ser projetada estatisticamente pela capacidade.

Quem nos conecta à Internet não gera nada do que recebemos: apenas mantém a estrutura que deixa que conteúdos cheguem até nós. Outro fator que ameniza o custo de conectividade é que os dados migram para perto de nós: assistir a filmes pela rede raramente redundará em maior uso de cabos submarinos. A complementaridade fixa/móvel dá muito valor à rede e não deve ser malbaratada!

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https://link.estadao.com.br/noticias/geral,franquias-francamente,10000059439

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Redes Sociais

Não foi a Internet que inventou as redes sociais – elas sempre existiram, desde o momento em que houve comunidades – mas a Internet deu a elas um poder e uma abrangência nunca vistos. Se, na velha Atenas, os cidadãos se reuniam na ágora para debater seus problemas e tomar decisões, hoje a nova ágora da rede engloba participantes de todas as culturas e lugares do globo, cada um com as próprias e diferentes perspectivas e formações. E nessas “e-ágoras” ressaltam-se todas as características humanas, como o engajamento automático e imbuído de emoções intensas, que vão do apoio à oposição, do aplauso à raiva, da solidariedade ao preconceito. É certamente um ambiente libertário, revolucionário e poderoso, mas também preocupante.


A pressa em tomar posição e expor o que pensamos, aliada à superficialidade da velocidade e da pouca precisão dos dados que nos chegam, faz com que o alinhamento se consiga rapidamente, mesmo que sem ter certeza do que buscamos. É o efeito de “grupo”, que nos fez tomar parte da manada. Chesterton, numa alegoria feita há mais de cem anos, descreveu uma “rede social” pequena e local mas que, prodigiosamente, lembra o que temos hoje, em escala muito aumentada, na rede. Transcrevo aproximadamente o caso do “monge e do lampião de gás”:

“Imaginemos que, de repente, inicie-se uma grande discussão sobre um tema atual como, por exemplo, o do uso de gás na iluminação pública. Diversos oradores que se opõem ao uso do gás, reunidos sob um lampião, enfaticamente, passam a defender a derrubada daquele símbolo que representa o assunto em discussão. Um monge de uma ordem medieval, daquelas metódicas e minuciosas, propõe que se discuta previamente, a utilidade da luz em si. Claro que os manifestantes não têm nenhuma paciência com o monge e o despacham da discussão, além de, em minutos, colocar abaixo, o próprio poste. Todos se congratulam pela eficiência moderna e nada medieval com que lograram o resultado. Com o tempo, porém, as coisas não vão tão bem assim... Vários dos que derrubaram o poste queriam “luz elétrica” em seu lugar, outros apenas queriam apossar-se do ferro do poste, alguns poucos o fizeram por preferir a escuridão, que serviria melhor aos próprios objetivos obscuros. Alguns se interessavam pouco pelo poste em si, enquanto outros se interessavam muito. Alguns eram contra o poste, por ser ele propriedade municipal e a isso se opunham. Outros apenas queriam aproveitar a oportunidade para destruir alguma coisa. Lenta e inexoravelmente, passaram a perceber que quem estivera certo, afinal, era o monge, e que tudo deveria, antes, passar pela discussão sobre a luz em si. Mas o que poderia ter sido discutido sob o lampião de gás, agora teria que ser discutido no escuro...”

Se, por um lado, é alvissareira a abertura e a amplitude de expressão que a Internet trouxe a todos, por outro preocupa muito o risco de a utilizarmos de forma impensada, “justiçando”, rapidamente e sem distinção, inocentes e culpados. Com o tempo e passada a euforia, acostumados todos ao novo ambiente, deve voltar à moda a análise mais detalhada, a morigeração, a contenção. Há de decantar o ruído que temos hoje e a rede será límpida!

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https://link.estadao.com.br/noticias/geral,redes-sociais,10000056820Fint