terça-feira, 16 de julho de 2024

O poder da linguagem

No artigo anterior, numa analogia com o poder que a Internet nos trouxe, há referência à frase de Caliban, em A Tempestade: “Vocês me ensinaram uma linguagem, e meu ganho com isso é que aprendi como imprecar”. Um amigo achou interessante submeter a uma LLM a tal frase, e pedir que a IA elaborasse sobre essa analogia com a internet. O resultado, para mim surpreendente (!), mostra que estamos num limiar não adequadamente avaliado ainda. Seguem trechos literais do que a IA produziu:

“Era uma vez, em um tempo não tão distante, quando a Internet era ainda uma novidade brilhante e desconhecida, uma terra de promessas ilimitadas e horizontes sem fim. Cada clique, cada link, cada página carregada abria uma nova janela para o mundo. Era como se tivéssemos descoberto uma nova linguagem, uma língua franca que nos conectava a milhões de pessoas em todos os cantos do globo. Embarcamos nessa jornada digital com os corações cheios de esperança e os olhos brilhando de curiosidade. As palavras de Shakespeare ressoam com uma verdade amarga e atual. Aprendemos a linguagem da Internet, e com ela ganhamos a capacidade de nos expressar livremente, mas também a habilidade de proferir maldições que ecoam pelos cabos de fibra óptica e antenas de Wi-Fi. A promessa de uma utopia digital, onde todos seriam ouvidos e compreendidos, deu lugar a um campo de batalha verbal, onde as palavras são armas e os emojis, escudos. ...

Mas com o tempo, a linguagem da Internet se transformou. A promessa de comunicação ilimitada trouxe consigo a praga da desinformação, das fake news e dos discursos de ódio. O anonimato, que antes era um escudo para a expressão honesta, tornou-se uma máscara para a crueldade e a intolerância. ...

A linguagem da Internet, que prometia nos libertar, às vezes nos aprisiona em bolhas de eco, onde só ouvimos o que queremos ouvir, e o diálogo se torna um monólogo. Entretanto, nem tudo está perdido. A Internet ainda é um vasto oceano de possibilidades, onde podemos encontrar solidariedade, empatia e compreensão. ...

A verdadeira riqueza da Internet reside em nossa capacidade de escolher como usar essa linguagem poderosa. Podemos optar por construir pontes em vez de muros, por promover o entendimento em vez da divisão, por usar nossas palavras para curar e não para ferir. ...

Assim como na frase de Shakespeare, a Internet nos ensinou uma nova linguagem. E o lucro que obtemos dela depende de como escolhemos usá-la. Entre as maldições e as bênçãos, está a nossa escolha, e com ela, o poder de moldar o mundo digital à nossa imagem. Que possamos escolher sabiamente, para que a história da Internet seja uma crônica de redenção e não de ruína”.

Eu pouco poderia adicionar ao texto acima. Sobre os cuidados com nossas expressões, em Fédon, de Platão, Sócrates adverte Críton: “Bem sabes, caro Criton, uma linguagem inadequada não apenas ofende, como deteriora a própria alma de quem fala”. Agora que podemos falar com tanto alcance e facilidade, que valorizemos cada palavra.

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Sobre Caliban:
https://www.shakespearegeek.com/2017/03/is-caliban-human.html/


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Resposta completa do ChatGPT a fazer uma analogia entre a frase da Caliban e a Internet:

Era uma vez, em um tempo não tão distante, quando a internet era ainda uma novidade brilhante e desconhecida, uma terra de promessas ilimitadas e horizontes sem fim. Cada clique, cada link, cada página carregada abria uma nova janela para o mundo. Era como se tivéssemos descoberto uma nova linguagem, uma língua franca que nos conectava a milhões de pessoas em todos os cantos do globo. Embarcamos nessa jornada digital com os corações cheios de esperança e os olhos brilhando de curiosidade.

“You taught me language, and my profit on’t Is I know how to curse.” As palavras de Shakespeare ressoam com uma verdade amarga e atual. Aprendemos a linguagem da internet, e com ela ganhamos a capacidade de nos expressar livremente, mas também a habilidade de proferir maldições que ecoam pelos cabos de fibra ótica e antenas de Wi-Fi. A promessa de uma utopia digital, onde todos seriam ouvidos e compreendidos, deu lugar a um campo de batalha verbal, onde as palavras são armas e os emojis, escudos.

No início, a internet era um terreno fértil para a colaboração e o compartilhamento de conhecimento. Fóruns e blogs eram os novos centros comunitários, onde pessoas com interesses comuns se reuniam para discutir, debater e aprender umas com as outras. A Wikipedia, com sua promessa de uma enciclopédia livre e colaborativa, era um farol de esperança, iluminando o caminho para um futuro onde o conhecimento seria acessível a todos.

Mas com o tempo, a linguagem da internet se transformou. A promessa de comunicação ilimitada trouxe consigo a praga da desinformação, das fake news e dos discursos de ódio. O anonimato, que antes era um escudo para a expressão honesta, tornou-se uma máscara para a crueldade e a intolerância. Aprendemos a arte do “troll”, do “cyberbullying”, e das campanhas de difamação que podem destruir vidas com um simples clique.

As redes sociais, concebidas como ferramentas para nos conectar, tornaram-se arenas de competição, onde a validação vem na forma de curtidas e compartilhamentos, e a busca por aprovação pode levar à alienação e ao desespero. A linguagem da internet, que prometia nos libertar, às vezes nos aprisiona em bolhas de eco, onde só ouvimos o que queremos ouvir, e o diálogo se torna um monólogo.

Entretanto, nem tudo está perdido. A internet ainda é um vasto oceano de possibilidades, onde podemos encontrar solidariedade, empatia e compreensão. Movimentos sociais encontram voz e força nas redes, causas justas ganham aliados ao redor do mundo, e histórias de resiliência e coragem nos inspiram a lutar por um futuro melhor.

A verdadeira riqueza da internet reside em nossa capacidade de escolher como usar essa linguagem poderosa. Podemos optar por construir pontes em vez de muros, por promover o entendimento em vez da divisão, por usar nossas palavras para curar e não para ferir. A jornada continua, e a cada dia, cabe a nós decidir se o legado da linguagem da internet será um cântico de esperança ou uma maldição de desespero.

Assim como na frase de Shakespeare, a internet nos ensinou uma nova linguagem. E o lucro que obtemos dela depende de como escolhemos usá-la. Entre as maldições e as bênçãos, está a nossa escolha, e com ela, o poder de moldar o mundo digital à nossa imagem. Que possamos escolher sabiamente, para que a história da internet seja uma crônica de redenção e não de ruína.

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A frase citada, do Fédon de Platão:

"[115e] but shall go away, so that Crito may bear it more easily, and may not be troubled when he sees my body being burnt or buried, or think I am undergoing terrible treatment, and may not say at the funeral that he is laying out Socrates, or following him to the grave, or burying him. For, dear Crito, you may be sure that such wrong words are not only undesirable in themselves, but they infect the soul with evil. No, you must be of good courage, and say that you bury my body,—and bury it".





terça-feira, 2 de julho de 2024

Os ipês-roxos

Começa o inverno, mas a cidade consegue se enfeitar. Nesta época do ano, por onde se vá, vêm-se ipês floridos em cachos roxos e rosas, desafiando o cinzento da estação. Isso me levou a reminiscências da juventude e lembrou-me algo que, no final dos anos 60, gerara uma correria aos ipês, chegando inclusive a ameaçar sua existência: surgiram notícias, abonadas por cientístas da área, de que a casca do ipê-roxo, devidamente reduzida a pó, poderia ser usada em infusões e pomadas para combater uma série de moléstias, desde afecções de pele, até… o câncer.

Para dar mais consistência às memórias, recorri ao acervo do Estadão, e lá estava o artigo, na página 10 da edição de 17 de março de 1967, “Ipê-roxo já está esgotado”. Descrevia a comoção da moda, com detalhes. Por sorte não se extinguiram os ipês, e podemos apreciá-los em toda sua beleza. Por azar as doenças seguem impávidas, e o ipê não lhes causou mossa perceptivel. Mas o ponto aqui é ressaltar que sempre estivemos sujeitos a notícias de credibilidade questionável, a “contos do vigário”, a venda de “terrenos na lua”, a oferta de “bilhetes premiados”. Ou seja, “nada há de novo sob o sol”.

Não é o caso, creio, de aumento da credulidade humana, mas de um alcance muito maior provido pela Internet. As potenciais vítimas (sempre as houve) são hoje acessíveis instantaneamente e em qualquer parte do mundo. Recebi um dito espirituoso em espanhol, que tento traduzir, mesmo arriscando perder a verve original: “Lembram-se de que, antes da Internet, tributávamos um certo clima de ignorância geral à dificuldade da disseminação da informação? Bem, vê-se hoje que… não era isso!”.

Isso me leva a outro ponto interessante: na peça de Shakespeare, A Tempestade, há a conhecida citação, algo cínica e que também foi usada por Aldous Huxley, “admirável mundo novo…”. Uma das personagens, Caliban -habitante primitivo da ilha, filho de feiticeira, um ser algo disforme e brutal - foi objeto de “educação” por parte de nobres que, expulsos de Milão, fugiram para a ilha e lá o encontraram. Certamente há grande ressentimento de Caliban contra os invasores. Numa frase que poderia ser aplicada à comunicação que a Internet permitiu e estimulou, Caliban, amargamente, denuncia: “me ensinaram uma nova linguagem e, a meu proveito, o que aprendi foi como usá-la para amaldiçoar”…

A evolução meteórica da tecnologia nas décadas nos permitiu retomar com impulso inédito antigas ideias como a IA. Antes, elas mais se prestavam à ficção científica que à realidade, por exigirem poder do computação de que não dispúnhamos. Steve Crocker, pioneiro da rede, em apresentação recente sumarizou: - a tecnologia segue evoluindo segundo a lei de Moore, exponencialmente. Com isso, coisas antes apenas ideadas tornam-se realidade e um poder enorme está em nossas mãos; mas - a natureza humana segue como sempre foi, com todas as suas nuances. Conclui a apresentação com “resta-nos torcer pela preservação do bom senso e por termos sorte nos caminhos que escolhermos”.

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Ipe-roxo


O texto do Estadão, de março de 1967

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citações de A Tempestade:
de Miranda, filha de Próspero:

“O, wonder!
How many goodly creatures are there here!
How beauteous mankind is! O brave new world,
That has such people in't!”

de Caliban:
“You taught me language, and my profit on't / Is, I know how to curse”


terça-feira, 18 de junho de 2024

ICANN e o martelo

A ICANN80 foi em Kigali, Ruanda, por sinal uma bela cidade. ICANN, uma corporação sem fins lucrativos, assumiu o papel da antiga IANA (“autoridade” de distribuição de números da Internet) adicionando “nomes” à definição. Cabe a ICANN coordenar a “raíz de nomes” da rede, bem como distribuir os blocos de endereços Ipv6 para os órgãos regionais. Nessa raíz estão do domínios de nível mais alto (TLD) e a ICANN tem se empenhado na criação de novos domínios genéricos (gTLD), dos quais já há cerca de 1500. Os gTLDs são obtidos nos processos de proposta de nomes, e em geral por empresas que querem operar o negócio de registro de nomes de domínio. Além dos tradicionais .com, .net e . org, há os mais recentes, como .jobs, .travel, .fashion, .xyz, .food e muitos outros. Em contraste, os “domínios de código de país” (ccTLD), de duas letras, constam da tabela ISO-3166 anterior à criação da ICANN. Históricamente os ccTLD tinham origem em alguma entidade acadêmica do país e, de alguma forma, representam a idéia inicial da internet, de colaboração e diversidade geográfica. Enquanto os gTLDs são criados por decisão da ICANN e assinam um contrato com ela, os ccTLDs seguem o que se adequa à sua operação local.

A ICANN um organismo multissetorial, com “organizações de suporte” originárias dos gTLDs, ccTLDs e dos orgãos regionais de usuários, além do poderoso “comitê de aconselhamento” constituido por representantes de governos. É natural que ICANN, ao propor mais domínios genéricos, queira assegurar aos governos que isso nâo piorará a já combalida segurança da rede. Os contratos com os gTLDs podem agregar cláusulas neste sentido, e uma das ações bastante discutida em Kigali foi o combate a “abuso de DNS”.

DNS não é mais que uma tradução de um nome para um número IP. Abuso pode ficar caracterizado quando, por exemplo, alguém busca simular um nome existente trocando uma letra: o chamado “phishing”, uma “pescaria em águas turvas”. Por exemplo, há um famoso sítio de banco chamado banco.com, e alguém registra banc0.com (com um zero no lugar do “o”) para iludir o usuário, que pensaria estar acessando um local, mas acaba caindo em armadilha. Nomes de sítios cujo conteúdo é ilegal ou inapropriado, a meu ver, não se enquadrariam em “DNS abuse” mas, sim, em outras formas controle que escapam à ação de um “tradutor de nomes em endereços” como os registros são.

Na ânsia de angariar apoio para a criação de mais domínios, acena-se para uma semântica ampliada de “DNS abuse”. Ora, um registro de nomes deve cuidar para que a estrutura de DNS não seja afetada e para que o nome não esteja imitando propositadamente outro, de forma a levar o usuário ao local errado (“phishing”). Em analogia simplória com a lista de ruas, inserir nela uma Paul1sta com um “1” no lugar do “i” que levasse a um destino ignorado, certamente seria um abuso.

Como DNS é o que ICANN tem à mão, brandí-lo como solução geral lembra o dito: “a quem só tem um martelo, todos os problemas parecem pregos”..

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https://meetings.icann.org/en/meetings/icann80/

https://www.icann.org/resources/pages/advisory-compliance-dns-abuse-obligations-raa-ra-2024-02-05-en




terça-feira, 4 de junho de 2024

Tempo, o Devorador

Há algo muito estranho com o tempo, e não é coisa nova. Explico (ou tento explicar…): à medida que envelhecemos o tempo encurta e passa mais rápido. Esse efeito tem se acentuado com o correr dos anos. Eu primeiro notei isso quando estava no primário, anos 60. Tinhamos vindo ao Brasil em 1954 e morávamos numa mesma casa no Tatuapé. Depois do jantar meu pai e meu tio se reuniam pra debater metas e estratégias familiares. E a discussão muitas vêzes ia prá política, de que eu, claro, entendia bulhufas. Numa das tertúlias pós-janta – e sobre um tema qualquer – meu tio perguntou: “mas isso que você está contando foi quando?”, e a resposta de meu pai: “foi agora! Na segunda guerra”! Numa época em que uma simples aula parecia-me interminável na escola, esse “agora” me deixou perplexo. “Agora”, após uma quase “eternidade” de 20 anos? Que doidice! E em 2024, quando o .br (sobrenome de muitos sítios brasileiros) comemora 35 anos, as discussões sobre como implementá-lo e que regras adotar, parece-me foram “ontem”…

Essa sensação de celeridade e volatilidade, só faz crescer. Discutimos hoje como “domar” a IA, ou, ao menos, “domesticá-la”. Uma consulta hoje a documentos a que a Internet nos facilitou o acesso, revelariam o quão chocante foi, há uns 150 anos, o surgimento do automóvel. Um “auto-móvel”, que dispensava o cavalo! Diz-se que as primeiras regulações sobre a nova “alimária” exigiam que fosse precedida por alguém portando uma bandeira vermelha, alertandohttps://medium.com/@tim_23050/remember-that-guy-with-a-red-flag-walking-in-front-of-the-first-automobile-4e4f8692b601
 da chegada do “beemote”. Isso passou e, claro, regras foram criadas. Semáforos, mãos de direção, faixas de pedestres, preferenciais, permitiram o convívio civilizado com a “criatura”. Não muito diferente foi com a generalização do telefone. Lembro da tentação de ligar para um número desconhecido, apenas para ver se alguém atendia – e nem se tratava de passar trote. O mesmo, com velocidade maior, aconteceu com a internet: os da geração digital nem conseguem idear um mundo sem ela, e ainda estamos absorvendo as mudanças que ela provocou. O acesso que permitiu a todos é uma expansão das antigas bibliotecas, onde todo o conteúdo estava dosponível mas de forma passiva. Com a rede, não apenas lemos, mas podemos comentar, retrucar, divergir, tergiversar. A digitalização, a rede e os buscadores nos trazem tudo o que existe, imediatamente. E IA adiciona um recurso: o “resumo executivo”. Como em todos os “resumos”, esconde-se o risco de manipulação, mesmo que não intencional. Se for intencional ultrapassará o limite do que é legal.

Assim, precisamos ter cuidado com os conceitos que aplicamos, porque podem estar datados. Da época em que tirar xerox de um livro era infringir direito autoral, à nossa época em que o conteúdo dispensa o meio físico, muita coisa mudou. E, afinal, somos o que absorvemos dos outros, por leitura, conversa ou internet. Se IA resume o que a nova “biblioteca de Alexandria” contém, está apenas automatizando o que sempre buscamos fazer com nossa humana lentidão. E, agora, tempus volat!

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Sobre automóveis e o sinalizador humano

https://mmitii.mattballantine.com/2014/01/07/the-red-flag-man/




https://en.wikipedia.org/wiki/Locomotive_Acts

https://www.oceansplasticleanup.com/Politics_Plastics_Oceans_Cleanup/Red_Flag_Act_Locomotive_1865_Cars_Speed_Limits_Man_Running_Carrying_A.htm

THE LOCOMOTIVE ACT 1865, also known as the RED FLAG ACT, required:

1. Self-propelled vehicles to have a speed limit of 4 mph(6 Km/h) in country roads and 2 mph (3 Km/h) in city roads.

2. It should have a crew of 3 – a driver, a stoker and flag man.

3. The flag man need to carry a Red flag and walk 60 yards (55 m) ahead of the vehicle.

This effectively restricted the speed of the vehicle to the walking speed of the man carrying the Red flag. He has to warn the horse carriages about the self-propelled vehicle ahead and ensure that the driver stops the vehicle till the horse or the horse carriage passes by.
The amended Highway & Locomotive act of 1878 reduced the distance of the Red flag man to 20 yards but all the other conditions remained same.
These restrictive rules and regulations choked the development of the British Motor Industry , helped by the Railway and Horse carriage lobbies.

Finally, on 14 November 1896 , the new Locomotives on Highways Act 1896 was passed with the following changes and was applicable to vehicles less than 3 tons in weight.

1. Speed limit was increased to 14 mph (22 Km/h)
2. Was exempted from the 3 member crew as well as the Red flag

To celebrate this event, Harry Lawson of Daimler (England) and his friends organised for the London to BrAssim, precisamos ter cuidado com os conceitos que aplicamos, porque podem estar datados. Da época em que tirar xerox de um livro era infringir direito autoral, à nossa época em que o conteúdo dispensa o meio físico, muita coisa mudou. E, afinal, somos o que absorvemos dos outros, por leitura, conversa ou internet. Se IA resume o que a nova “biblioteca de Alexandria” contém, está apenas automatizando o que sempre buscamos fazer com nossa humana lentidão. E, agora, tempus volat!ighton “Emancipation” run. The London – Brighton run starts off with the symbolic tearing of the RED flag. The London – Brighton run has bee a regular event from 1927 to modern times.

By 1903, the speed limits were increased to 20 mph and later on the laws were repealed.
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https://medium.com/@tim_23050/remember-that-guy-with-a-red-flag-walking-in-front-of-the-first-automobile-4e4f8692b601

"Remember that guy with a red flag walking in front of the first automobile? Here’s why he is back for AI."

terça-feira, 21 de maio de 2024

Os idos de abril

Em 24 de abril deste ano, em votação apertada (3 a 2) a FCC norte-americana reverteu um entendimento de 2017 que havia alterado o conceito de “neutralidade de rede”, estabelecido em 2014… Ou seja, em têrmos de “neutralidade”, volta-se a 2014. Não é uma discussão simples, como aliás denota o movimento pendular da FCC no tema e a posição de diversos importantes personagens na área, mas vale a pena tentar olhar melhor o que se esconde no vai-e-vem regulatório (o verbete da Wikipedia sobre neutralidade de rede nos EUA é alentado e traz bastante informação).

FCC, a agência reguladora de telecomunicações norte-americana, tem mais ou menos um papel como o da Anatel no Brasil. Na origem, esta discussão está ligada a quando houve uma rápida expansão da banda larga para o provimento de acesso à Internet. Os provedores de banda larga são, muitas vezes, simultaneamente provedores de serviços de telecomunicação. Assim, surge uma superposição de Internet e telecomunicações no tema. A FCC age no âmbito da telecomunicação, e não da informação… Se “banda larga” para Internet for serviço de “informação”, os provedores podem ter a liberdade de criar tarifas diferenciadas, ou bloqueios a sítios de concorrentes. Em termos de internet, não seria o que se entende por “neutralidade”.

Na regra original criada em 2014 – e notemos que o Marco Civil, também de 2014, alinha-se – há seis pontos a observar: 1- um provedor de banda larga não pode, a seu talante, bloquear conteúdo legal, aplicativos ou serviços. 2- é vedado ao provedor, com base no conteúdo, degradar ou acelerar intencionalmente uma conexão. 3- deve haver transparência sobre as regras em uso, o desempenho e características da rede. 4- inovadores e consumidores devem ter direito a “jogo equânime”. 5- Pode haver eventual gestão no roteamento por motivos técnicos, desde que de forma razoável e transparente. 6- Não pode haver priorização paga, dando vantagem a serviços que paguem extra…

Em 17 de julho de 2017, um documento assinado por 200 pioneiros da Internet, criticava tecnicamente a decisão da FCC e, em dezembro, um conjunto de 20 das mais conhecidas personalidades da Internet redigiu uma carta aberta onde, quase literalmente, argumentava que a “FCC não havia entendido o que era a Internet”. Entre os signatários, Steve Crocker, Steve Wozniak, Tim Berners-Lee, Vint Cerf e outros. O parágrafo final da carta conclamava o chefe da FCC Ajit Pai, que cancelasse a votação “apressada e tecnicamente falha”, que visava a abolir as proteções de neutralidade da rede. “Um risco iminente à Internet que trabalhamos tanto em criar.”.

Para a FCC ter poder de regular algo, isso deve ser considerado um “serviço de telecomunicação”. Com a votação de abril, o fornecimento de banda larga volta a ser um serviço de telecomunicação e, com isso, sujeito à regulação nos termos que a decisão de 2017 definia. Estou entre os que se alegram bastante com essa retomada da neutralidade. Pode, entretanto, não ser um sentimento unânime... Aguardemos os desdobramentos.

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A volta da neutralidade da rede

https://www.phonearena.com/news/net-neutrality-returns_id157731

"It's baaack. Net Neutrality, the rule that requires all internet streams to be treated the same, has been reinstated by a 3-2 vote by the sitting FCC commissioners. The voting went along party lines with the three Democratic commissioners voting in favor of the rule while the two Republicans voted against it. The Obama-era FCC passed the rules in 2015 to prevent ISPs and mobile carriers from charging more to content streamers for a faster pipeline to the public. It also prevents carriers from blocking the dissemination of text messages whose content they do not agree with.
As an example, Net Neutrality prevents your favorite video streaming service from paying more to an ISP or a wireless provider to obtain a faster stream for the video streamer's customers. Without Net Neutrality, the internet provider could charge the video streamer more for the faster pipeline and this charge could find its way onto your monthly bill."




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A decisão de 2014 sobre neutralidade de rede:

https://web.archive.org/web/20060424065626/http://static.publicknowledge.org/pdf/nn-letter-20060301.pdf

In December 2014, the FCC released the Open Internet Order of 2010, which established six net neutrality principles for internet service providers (ISPs):

- No blocking: ISPs cannot block legal content, apps, services, or the connection of non-harmful devices to the network- No throttling: ISPs cannot intentionally slow down or speed up content based on the type of service or their preferences

- Transparency: Consumers and innovators have the right to know how their network is being managed and the basic performance characteristics of their internet access

- Level playing field: Consumers and innovators have the right to a level playing field

- Network management: Broadband providers are allowed to engage in reasonable network management

- No paid prioritization: No service should be slowed down because it doesn't pay a fee

In 2015, the FCC adopted conduct rules that codified these principles, including the requirement that broadband customers have access to all paid internet destinations and that ISPs cannot impair lawful internet traffic based on content, source, or destination.
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A Carta Aberta de 2017:

https://www.benton.org/headlines/internet-pioneers-and-leaders-tell-fcc-you-don%E2%80%99t-understand-how-internet-works

The Honorable Roger Wicker,
Chair Senate Commerce Subcommittee on Communications, Technology, Innovation, and the Internet

The Honorable Brian Schatz,
Ranking Member Senate Commerce Subcommittee on Communications, Technology, Innovation, and the Internet

The Honorable Marsha Blackburn,
ChairHouse Energy Subcommittee on Communications and Technology

The Honorable Michael F. Doyle,
Ranking MemberHouse Energy Subcommittee on Communications and Technology

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Senator Wicker:
Senator Schatz:
Representative Blackburn:
Representative Doyle:

We are the pioneers and teca flawed and hnologists who created and now operate the Internet, and some of the innovators and business people who, like many others, depend on it for our livelihood. We are writing to respectfully
urge you to call on FCC Chairman Ajit Pai to cancel the December 14 vote on the FCC’s proposed Restoring Internet Freedom Order (WC Docket No. 17-108 ).

This proposed Order would repeal key network neutrality protections that prevent Internet access providers from blocking content, websites and applications, slowing or speeding up services or classes of service, and charging online services for access or fast lanes to Internet access providers’ customers. The proposed Order would also repeal oversight over other unreasonable discrimination and unreasonable practices, and over interconnection with last-mile Internet access providers. The proposed Order removes long-standing FCC oversight over Internet access providers without an adequate replacement to protect consumers, free markets and online innovation.

It is important to understand that the FCC’s proposed Order is based on a flawed and factually inaccurate understanding of Internet technology. These flaws and inaccuracies were documented in detail in a 43-page-long joint comment signed by over 200 of the most prominent Internet pioneers and engineers and submitted to the FCC on July 17, 2017.

Despite this comment, the FCC did not correct its misunderstandings, but instead premised the proposed Order on the very technical flaws the comment explained. The technically-incorrect proposed Order dismantles 15 years of targeted oversight from both Republican and Democratic FCC chairs, who understood the threats that Internet access providers could pose to open markets on the Internet.

The experts’ comment was not the only one the FCC ignored. Over 23 million comments have been submitted by a public that is clearly passionate about protecting the Internet. The FCC could not possibly have considered these adequately.

Indeed, breaking with established practice, the FCC has not held a single open public meeting to hear from citizens and experts about the proposed Order.

Furthermore, the FCC’s online comment system has been plagued by major problems that the FCC has not had time to investigate. These include bot-generated comments that impersonated Americans, including dead people, and an unexplained outage of the FCC’s on-line comment system that occurred at the very moment TV host John Oliver was encouraging Americans to submit comments to the system.

Compounding our concern, the FCC has failed to respond to Freedom of Information Act requests about these incidents and failed to provide information to a New York State Attorney General’s investigation of them.

We therefore call on you to urge FCC Chairman Pai to cancel the FCC’s vote. The FCC’s rushed and technically incorrect proposed Order to abolish net neutrality protections without any replacement is an imminent threat to the Internet we worked so hard to create. It should be stopped.

Signed,

Frederick J. Baker, IETF Chair 1996-2001, ISOC Board Chair 2002-2006
Mitchell Baker, Executive Chairwoman, Mozilla Foundation
Steven M. Bellovin, Internet pioneer, FTC Chief Technologist, 2012-2013
Tim Berners-Lee, inventor of the World Wide Web & professor, MIT
John Borthwick, CEO, Betaworks
Scott O. Bradner, Internet pioneer
Vinton G. Cerf, Internet pioneer
Stephen D. Crocker, Internet pioneer
Whitfield Diffie, inventor of public-key cryptography
David J. Farber, Internet pioneer, FCC Chief Technologist 1999-2000
Dewayne Hendricks, CEO Tetherless Access
Martin E. Hellman, Internet security pioneer
Brewster Kahle, Internet pioneer, founder, Internet Archive
Susan Landau, cybersecurity expert & professor, Tufts University
Theodor Holm Nelson, hypertext pioneer
David P. Reed, Internet pioneerA decisão de 2014 sobre neutralidade de rede:

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terça-feira, 7 de maio de 2024

Previsões de 2001

 A Internet tem sua data de nascimento vinculada a quando a Arpanet, então ainda um projeto, conseguiu trocar seus primeiros pacotes de informação, em 29 de outubro de 1969. Um ano antes disso houve o lançamento do livro de Arthur Clarke (e do filme de Stanley Kubrick), “2001, uma odisséia no espaço”. Numa antevisão do que o nascente e poderoso meio de comunicação global poderia gerar, há uma frase no livro de Clarke que mereceria uma exegese detalhada. Diz que "quanto mais maravilhosos os meios de comunicação se tornarem, mais trivial, vulgar ou deprimente seu conteúdo tenderá a ser.". Um alerta que pode ter passado despercebido…

Sem dúvida é um enorme avanço o que temos hoje, quanto ao acesso, disponibilidade e geração instantânea de informação de e para todos, mas, sem dúvida, não se pode negar uma explosão do uso trivial, vulgar e leviano, com as respectivas consequências no tecido social.

Outra analogia que vem naturalmente do filme e de suas previsões, é o poder do computador de bordo, o HAL9000, e, com ele, os riscos que IA pode nos trazer. O HAL9000 seria um avançado equipamento digital, dotando de poderosa IA e destinado a controlar a operação da nave em sua viagem a Júpiter. Ele exibe raciocínio estratégico para atingir, a qualquer custo, o objetivo da missão - chegar a Júpiter. A situação no ambiente na nave complica-se após o que teria sido uma inesperada e improvável falha de previsão do HAL, quanto a um problema de comunicação com o centro de operações. A surpreendente falha gera tensão entre os tripulantes, que cogitam até em desligar o equipamento por teremos perdido a confiança nele. Devido à sua condição quasi-humana, entretanto, o HAL, que usa até leitura labial para interpretar o diálogo dos tripulantes, passa a considerá-los um risco à missão. Decide desligar equipamentos de sustentação de vida e, ao final, há inclusive um diálogo em que HAL faz chantagem emocional contra seu possível desligamento.

Estamos muito longe de termos sistemas que exibam a complexidade de reações como as do HAL, que demostraria autoconsciência, raciocínio sofisticado e, até, emoções que emulam as de um humano, mas não podemos deixar de pontuar os avanços muito rápidos e surpreendentes da tecnologia na área e, claro, os riscos que trazem a direitos individuais básicos. Aliás, na semana passada, foi apresentada uma versão revista do projeto de lei 2338, que trata da regulação da IA. Estará aberta a comentários por mais uns 20 dias e é um texto alentado, que traz mudanças importantes quanto à sua versão anterior, indo mais ao encontro da legislação que se está defendendo na Europa e nos Estados Unidos. A preocupação em “proteger direitos” está expressa no projeto, e existe a percepção de não tolher a priori iniciativas e avanços tecnológicos na área. O risco, sempre, está em agirmos de afogadilho, premidos pela ansiedade que se manifesta. Sempre bom lembrar da máxima atribuida a Augusto, imperador romano da época de Cristo: festina lente - “apressa-te devagar”.

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2001- Uma Odisséia no Espaço
https://en.wikipedia.org/wiki/2001:_A_Space_Odyssey

https://www.magazine-hd.com/apps/wp/george-lucas-star-stars-2001-stanley-kubrick/
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a frase de Arthur Clarke
https://www.goodreads.com/quotes/8032167-the-more-wonderful-the-means-of-communication-the-more-trivial

“The more wonderful the means of communication, the more trivial, tawdry, or depressing its contents seemed to be. Accidents, crimes, natural and man-made disasters, threats of conflict, gloomy editorials—these still seemed to be the main concern of the millions of words being sprayed into the ether. Yet Floyd also wondered if this was altogether a bad thing; the newspapers of Utopia, he had long ago decided, would be terribly dull."









terça-feira, 23 de abril de 2024

Em busca do Santo Graal

O desaparecimento de um humor ácido, inteligente e absurdo, como o do Monty Python, é uma das perdas doridas, que os tempos trouxeram. De forma paradoxal, a perda de interesse por aquele espírito brincalhão talvez represente algo exatamente oposto: uma crescente infantilização. Dois trechos impagáveis de filmes: em A Vida de Brian, ele crucificado cantando “Always Look on the Bright Side of Life", e o feroz coelho assassino em “Em busca do Cálice Sagrado”, trazem à mente analogias com o mundo digital e a IA, seja numa visão aferradamente otimista - de que há algo positivo nos aguardando, seja pelo pessimismo - uma fera destuidora nos espreita. Ambas, é claro, com a incomparável pitada de sarcasmo dos Python.

Em momentos como hoje, quando há uma disseminação instantânea e quase osmótica de tensões, é importante primeiro diagnosticar corretamente eventuais “disfunções”, seus vetores, métodos e objetivos, para depois examinar que “remédios” são propostos, qual a eficiência esperada, quais seus custos de implementação, e quais seus possíveis efeitos colaterais…

Regular IA é tema do momento. Não ouso enfrentar a discussão sobre o conceito de “inteligência” mas, independentemente disso, há formas talvez simplórias de abordar regulação de uma nova tecnologia. Se IA for apenas uma nova “ferramenta tecnológica”, o caminho parece ser o de responsabilizar o usuário pelo danos que seu uso causar. Fica muito difícil atribuir “ética” ou “responsabilidade” a uma ferramenta: não há facas ou martelos “éticos”. Mas se essa “ferramenta” é mutante e elusiva, a responsabilidade passa a ser difusa… Viu-se recentemente um ataque vicioso de um cão, quase causando a morte de uma pessoa. Esse cão seria essencialmente perigoso pela índole de sua própria raça, ou teria sido treinado para ser assim, mesmo que com as melhores intenções de “proteção”? E, quando o cão decidir, por si, quem deve ser atacado, que ética esperar-se-ia deste cachorro? No caso de um cão há medidas paliativas que podem ser tomadas – não deixá-lo solto, usar mordaça, etc. Mas isso pode ter aplicação restrita para sistemas IA amplamente disseminados. E certamente não se usaria em humanos: o fato de termos mãos e podermos socar os outros não deveria gerar, espero, uma “lei preventiva” que obrigue todos a usarem algemas quando em área pública.

Por mais trabalhoso que pareça ser, o caminho seguro passa pela responsabilização objetiva do uso, somada à avaliação dos riscos, especialmente quando temos sistemas que aprendem, e buscam cumprir metas. O comportamento de um sistema de IA voltado a proteger algo pode não diferir muito do que o cachorro exibiu. E se nos limitarmos a buscar justificativas para o comportamento de indivíduos adultos, influenciados pelo que recebem do mundo digital, tenderemos a uma crescente tutoria. A ação que a rede permite a todos traz embutida a responsabilização pelos atos de cada um.

Ainda na Vida de Brian, na icônica discussão da Frente Popular da Judéia, busca-se elencar todos os danos que os romanos causaram, mas tropeça-se em muitos benefícios, que seria melhor ignorar… IA não é reencarnação dos romanos, mas lançar um olhar amplo e crítico é fundamental.

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trechos do Monty Python:

"Always Look on the Bright Side of Life"
https://www.youtube.com/watch?v=MJuorMRSH3U

"The Killer Rabbit"
https://www.youtube.com/watch?v=VM5SETOYnd8

"O que os romanos fizeram por nós?"
://www.youtube.com/watch?v=Pc5DlVZRNE8

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https://en.wikipedia.org/wiki/Monty_Python