segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O que há de errado com o mundo

O título é de um livro de G. K. Chesterton, de 1910. As provocações dele continuam, em boa parte, atuais, e é tentador aplicá-las à Internet. Vejamos o tema central: o livro defende que, mesmo sendo fácil achar consenso na identificação e crítica dos erros que encontramos na sociedade, a essência está em concordar que solução adequada propor. Muitas vezes não há acordo na meta, ou em como medir se foi atingida. Por falta de compreensão e de esforço, ideias excelentes - que poderiam "salvar o mundo" - são abandonadas, não por haver dúvidas quanto ao seu mérito, mas por não haver acordo em sua implantação. Chesterton diz que, mais do que um mundo onde se empilham ruínas de ideias vencidas ou superadas, temos um mundo de construções inacabadas, abandonadas.

Tento um exemplo atual: certamente há consenso de que devemos combater rapidamente a poluição. É fácil declarar apoio a esse combate. Mas qual o caminho? Uma ideia aparentemente bem recebida é desestimular o transporte privado, eventualmente trabalhando na implantação de ciclovias.

Parece algo meritório e socialmente importante, mas está longe de ser fácil e, certamente, não teremos para a "solução" o mesmo consenso que temos quanto ao "problema". Assim, por variados motivos e oposições, essa ideia pode ficar inacabada.

Internet: há consenso, sem dúvida, dos riscos que ela traz, das fraudes que lá ocorrem, das falsas informações que circulam. Ou seja, todos concordamos que há problemas na rede. O que não encontra consenso é, então, qual a rede que queremos e, consequentemente, como chegar lá. Parece mais razoável aceitar a realidade de que, ao lado de problemas, a rede nos trouxe infinitamente mais vantagens e tentar, paulatinamente e sem ferir seus conceitos fundamentais, caminhar da direção do objetivo maior e mais nobre. Nessa linha, ao final do livro, há outra analogia como parábola: ao se verificar uma praga de piolhos numa comunidade de periferia, os higienistas estipulam que se cortem os cabelos das meninas.

O certo - matar os piolhos e melhorar o ambiente - é abandonado pelo mais fácil, mesmo que isso humilhe as crianças e destrua sua autoestima. Ainda na Internet, semana passada lançou-se tentativamente uma proposta de plataforma onde projetos de qualquer origem e variados objetivos seriam divulgados, debatidos e buscariam suporte da comunidade para se tornarem realidade: a iniciativa NETmundial. Para muitos, isso contribuiria para a melhoria da rede. É claro que, também, choveram críticas, tanto dos que leram e por algum motivo não gostaram, quanto dos que sequer a leram, mas igualmente a criticam, por não se alinharem com os propositores.

É comum que uma boa ideia, em vez de ser analisada em si, na sua essência, seja prejulgada porque recebe apoio de setores que não se alinham à nossa visão.

Não sei se a Iniciativa NETmundial irá melhorar ou não a rede, mas sei que, se for abandonada sem ter sido testada, podemos estar perdendo, de novo, uma boa oportunidade. Será mais uma obra inconclusa. Diz Chesterton: "... o que está errado no Mundo é não nos perguntarmos o que está certo".

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Um hino para a Internet?

Nesta semana termina a reunião Plenipotenciária da União Internacional das Telecomunicações, em Busan, Coreia do Sul. A reunião, que traz no nome a ideia de onipotência, dá direito a voto aos órgãos reguladores das telecomunicações de cada país. O Brasil é representado pela Anatel.

Enquanto aguardamos o que emanará de Busan, vejamos quais os conceitos em cena e como isso se relaciona à governança da Internet. Uma referência recente em discussões nas redes sociais é o Tratado de Vestfália. Foi na Paz de Vestfália, em 1648, ao final de diversas conflagrações na Europa e, especialmente, da guerra entre Espanha e Holanda, que sedimentou-se o conceito de "Estados Soberanos" e que a Holanda se tornou independente.

É talvez o dilema mais crítico no debate da governança da rede: sua extraterritorialidade. De certa forma, a Internet "não assina" o tratado de Vestfália, porque não vê as fronteiras entre Estados. Por isso sua governança deve ser multissetorial, participativa e a partir das bases. É antípoda a Busan, onde o mundo tradicional se reúne.

A governança da Internet evolui muito bem entre povos latinos, que, de alguma forma, têm sido usados como paradigma no processo. Para começar - e com algum ufanismo - cite-se que a Lei Geral das Telecomunicações brasileira já em 1997 definia Internet como um "serviço de valor adicionado", que se vale da infraestrutura das telecomunicações mas que com ela não se confunde. O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), criado em 1995, é exemplo de governança multissetorial que antecede a criação da Icann, em 98. E o CGI.br, em 2009, concluiu o "decálogo" de princípios da Internet no País, para proteger a rede e melhorar o entendimento de seus conceitos.

O "decálogo" foi internacionalmente bem recebido. No Fórum de Governança da Internet (IGF) de 2010, em Vilna, Lituânia, foi saudado como uma conquista importante para a rede. Foi dele que derivou o Marco Civil para a Internet no Brasil, sancionado em 23 de abril de 2014, na abertura do encontro NETmundial, em São Paulo.

Em agosto de 2010 o Chile promulgava a lei 20.453 que trata especificamente de "neutralidade" na rede e que, em seu artigo único, determina: "não se poderá arbitrariamente bloquear, interferir, discriminar, dificultar ou restringir o direito de qualquer usuário da Internet em utilizar, enviar, receber ou oferecer qualquer conteúdo, aplicação ou serviço legal através da Internet..."

E, alvíssaras, o Congresso Italiano acaba de propor para consulta pública uma carta de direitos na rede com 14 princípios. Segue, assim, na trilha do Marco Civil brasileiro, inclusive em relação ao processo, que inclui uma ampla consulta pública. Finalmente, em Portugal uma iniciativa multissetorial para gerir uma organismo privado e sem fins de lucro que administra o ."pt" também acaba de surgir.

A Internet sempre representa uma ruptura de conceitos tradicionais. Mas é sábio e razoável levar muito em conta a soberania nacional. A Internet pode seguir livre e tranquila ao mesmo tempo em que respeita as leis dos países em que se insere. Torçamos para que a Internet sobrenade!