terça-feira, 30 de julho de 2024

Contraponto

Em experimentações com modelos LLM da IA, ficam muito claros seus supreendentes resultados, tanto em “entender” contextos, como, a partir de fontes, em criar resumos. E sempre com linguagem de ótima qualidade. Como exemplos adicionais, IA fez-me um belo resumo de capítulo de livro que um grupo de colegas de leitura estamos discutindo. Seguindo ainda na linha comentada, pediu-se à IA que elaborasse sobre uma possível analogia entre Amlet (o Hamlet histórico), real príncipe da Dinamarca famoso por sempre dizer a verdade, e a “verdade” na internet. Segue pequeno trecho do que IA generativa produziu:

“A tragédia de Amlet na era da internet seria essa: um príncipe da verdade em um reino de incertezas, onde a autenticidade é constantemente questionada e a verdade é uma moeda rara e valiosa. Sua saga nos lembra que, mesmo em tempos de tecnologia avançada e comunicação instantânea, a luta pela verdade é eterna e sempre complexa, exigindo coragem, astúcia e, acima de tudo, uma fé inabalável na importância de se manter fiel aos fatos, mesmo quando ninguém mais acredita”.

Há, entretanto, contraponto a essa “profissão de fidelidade pela verdade”. Em outras “conversas”, sobre temas de esperança, provoquei-a a citar poemas em português sobre o mito de Pandora. Entre os exemplos que ela trouxe, dois me eram completamente desconhecidos: “A caixa de Pandora”, poema de Olavo Bilac, e a “A canção do ódio”, de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa). Busquei-os na rede e nada achei. Pedi mais dados à IA. Ela reforçou o que já tinha dito e anexou na íntegra, e em estilo parnasiano, o que seria o tal poema de Bilac. Também a “Canção do Ódio” foi explicitada, inclusive com comentários relacionando-a ao tema “esperança”. Busquei e, de novo, nada encontrei na internet.

Resolvi perguntar a outra IA bem conhecida, se havia o poema de Bilac e se podia repassá-lo. Ela foi incisiva em dizer que “sim, é um poema bem conhecido” e mo repassou. E… não era o mesmo poema que a primeira IA inventou!. Ou seja, ambas criaram poemas verossímeis, que poderiam ser atribuidos a Olavo Bilac. O mesmo se passou com a tal “Canção do ódio”, com o detalhe adicional que a segunda IA, de forma ainda inventiva, o atribuiu a um outro heterônimo de Fernando Pessoa: Álvaro de Campos!.

Por prioridades ou estratégia, IA prefere inventar algo a dizer que “não conhece”. Assim gera-se um poema que passaria como sendo de Olavo Bilac, e faz-se o mesmo com Fernando Pessoa, mesmo que IAs diversas o atribuam a diferentes heterônimos. O fato é que, se não falhei nas buscas, ambos os poemas inexistem: são criações da IA. Certamente, se formos superficiais na análise do que recebemos dela, corremos sérios riscos de tomar como verdade uma invenção. Como muitos já disseram, meias-verdades são as mentiras mais insidiosas, porque revestem-se da roupagam de verdade. Chesteron, em 1910, havia advertido de que, enquanto a verdade integral alia-se à virtude, uma meia-verdade sempre está acoplada a algum vício. Sempre alerta!

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dois textos gerados pelo ChatGPT sobre Amlet, (do trecho citado acima)

1- (com a base de dados geral)
 
A Verdade de Amlet na Era da Internet
Amlet, o príncipe real da Dinamarca descrito por Saxo Gramático, é uma figura que vive na interseção entre a verdade e a desconfiança, muito antes de Hamlet de Shakespeare emergir como seu eco literário. Transportando essa figura histórica para os dias de hoje, podemos imaginar como ele navegaria pelas águas turbulentas da internet moderna, sempre fiel à verdade, mas raramente acreditado.

Na lenda, Amlet fingia ser insano para esconder seus verdadeiros sentimentos e intenções, enquanto reunia informações e planejava sua vingança. Se Amlet vivesse hoje, provavelmente usaria a internet para espalhar suas verdades veladas, escondendo-se atrás de pseudônimos e avatares nas redes sociais. Como um usuário anônimo, ele publicaria mensagens criptográficas e declarações que, apesar de verdadeiras, pareceriam tão absurdas ou fantásticas que a maioria das pessoas as descartaria como meras teorias da conspiração.

Imagine Amlet criando um blog ou um canal de vídeo onde, com seu comportamento enigmático, ele revelasse os segredos de sua corte contemporânea: a corrupção dos líderes, os conluios e as tramas ocultas. Seus seguidores seriam poucos, mas dedicados, sempre debatendo a autenticidade de suas palavras. Para o público geral, ele seria apenas mais uma figura excêntrica no vasto universo online, onde a verdade e a mentira se confundem constantemente.

Os algoritmos das redes sociais, desenhados para promover o conteúdo mais envolvente e não necessariamente o mais verdadeiro, dificultariam ainda mais a missão de Amlet. Suas postagens, repletas de insights profundos e verdades incômodas, seriam empurradas para os cantos obscuros da internet, eclipsadas por memes virais e celebridades digitais. O verdadeiro desafio de Amlet seria não apenas dizer a verdade, mas fazer com que ela fosse ouvida e acreditada.

No entanto, Amlet era astuto. Ele compreenderia rapidamente a dinâmica do novo reino digital. Usaria estratégias de marketing digital, talvez contratasse bots para amplificar suas mensagens, ou se aliaria a influenciadores dispostos a dar voz às suas denúncias. Mesmo assim, ele enfrentaria a eterna batalha entre a verdade e a percepção pública.

Enquanto Amlet lutasse para ser ouvido, a internet seguiria seu curso caótico, onde cada verdade dita é confrontada por uma centena de mentiras. Os trolls, os desinformadores e os céticos seriam seus inimigos modernos, sempre prontos para desacreditar suas palavras, transformar suas declarações em piadas ou simplesmente ignorá-las.

A tragédia de Amlet na era da internet seria essa: um príncipe da verdade em um reino de incertezas, onde a autenticidade é constantemente questionada e a verdade é uma moeda rara e valiosa. Sua saga nos lembra que, mesmo em tempos de tecnologia avançada e comunicação instantânea, a luta pela verdade é eterna e sempre complexa, exigindo coragem, astúcia e, acima de tudo, uma fé inabalável na importância de se manter fiel aos fatos, mesmo quando ninguém mais acredita.

2- (com a base de dados do Llama 8B

No ano de nosso Senhor... (ou seja, no início do século XXI), havia um reino chamado "A Internet", onde as pessoas se reuniam para compartilhar informações, ideias e experiências. Mas, como sempre acontece em tais lugares, surgiram problemas e descrenças.

Um jovem príncipe da verdade, que preferimos chamar de "Amlet Digital" (por sua semelhança com o famoso Amlet), habitava esse reino. Ele era conhecido por dizer a verdade de uma forma que ninguém queria ouvir, e muitas vezes as pessoas não sabiam se ele estava falando sério ou apenas brincando.
Amlet Digital observou que na Internet havia uma grande confusão e descrença. As informações eram difíceis de distinguir da ficção, e os usuários estavam cada vez mais cegos pela ilusão. Eles compartilhavam notícias falsas, teorias da conspiração e opiniões sem fundamento, como se fossem verdades absolutas.

O príncipe Amlet Digital decidiu investigar esses problemas e descobriu que a Internet estava sendo dominada por "Os Mercadores de Informações", um grupo de indivíduos astutos que vendiam notícias falsas e opiniões manipuladas como se fossem verdades. Eles usavam técnicas sofisticadas para criar ilusão e confundir os usuários, tornando-os cada vez mais desconfiados e céticos.

Amlet Digital também descobriu que a Internet estava sendo afetada por "A Maldição da Interatividade", um fenômeno pelo qual as pessoas se sentiam compelidas a participar de discussões online, mesmo quando não tinham conhecimento ou experiência sobre o assunto. Isso criava uma atmosfera de confusão e descrença, onde ninguém sabia mais do que os outros.

O príncipe Amlet Digital concluiu que a Internet estava em perigo de se tornar um lugar sem sentido, onde as pessoas não podiam distinguir entre verdade e ilusão. Ele decidiu tomar medidas para combater esses problemas e restaurar a confiança na Internet.

Mas, como sempre acontece quando alguém tenta mudar o status quo, Amlet Digital encontrou resistência dos "Mercadores de Informações" e outros interessados em manter as coisas do mesmo jeito. Eles usaram todas as suas armas para silenciar o príncipe e mantê-lo calado.

E assim, a história da Internet continua, com Amlet Digital lutando contra os ventos e marés de descrença e ilusão que ameaçam consumir todo o reino. Mas não se preocupe, pois ainda há esperança para uma Internet mais verdadeira e confiável.
Fim da crônica.

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Poesia "A Caixa de Pandora" atribuida pelo ChatGPT a Olavo Bilac:

A Caixa de Pandora, por Olavo Bilac

Quando Epimeteu, vencendo a armada de Tétis, 
À amável Pandora recolheu no seu lar, 
E a cada alborada, com divinas mãos, 
ela Tépidas flores ia ao leito conjugal buscar,

Súbito um dia, de curiosidade presa, 
Pandora a c'roa da urna fatal destampou. 
E uma nuvem negra de larvas malfazejas, 
Como um tropel de furias da urna em horror voou.

Eis que prantos de horror, pelo espanto arrancados, 
Os campos encheram, enquanto no ar, na estrada, 
Chorando os prantos da velha desgraça, os males,
Inda, em tropel, corriam, ao longo da jornada. 

Por fim, quando a urna vazia e espedaçada, 
Muda, aos pés de Pandora, rolava pelo chão, 
Do negror da urna, em nuvem azulada, 
Pairando na amplidão, alou-se a estrela da Esperança.

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E a versão do Gemini, da tal poesia:




terça-feira, 16 de julho de 2024

O poder da linguagem

No artigo anterior, numa analogia com o poder que a Internet nos trouxe, há referência à frase de Caliban, em A Tempestade: “Vocês me ensinaram uma linguagem, e meu ganho com isso é que aprendi como imprecar”. Um amigo achou interessante submeter a uma LLM a tal frase, e pedir que a IA elaborasse sobre essa analogia com a internet. O resultado, para mim surpreendente (!), mostra que estamos num limiar não adequadamente avaliado ainda. Seguem trechos literais do que a IA produziu:

“Era uma vez, em um tempo não tão distante, quando a Internet era ainda uma novidade brilhante e desconhecida, uma terra de promessas ilimitadas e horizontes sem fim. Cada clique, cada link, cada página carregada abria uma nova janela para o mundo. Era como se tivéssemos descoberto uma nova linguagem, uma língua franca que nos conectava a milhões de pessoas em todos os cantos do globo. Embarcamos nessa jornada digital com os corações cheios de esperança e os olhos brilhando de curiosidade. As palavras de Shakespeare ressoam com uma verdade amarga e atual. Aprendemos a linguagem da Internet, e com ela ganhamos a capacidade de nos expressar livremente, mas também a habilidade de proferir maldições que ecoam pelos cabos de fibra óptica e antenas de Wi-Fi. A promessa de uma utopia digital, onde todos seriam ouvidos e compreendidos, deu lugar a um campo de batalha verbal, onde as palavras são armas e os emojis, escudos. ...

Mas com o tempo, a linguagem da Internet se transformou. A promessa de comunicação ilimitada trouxe consigo a praga da desinformação, das fake news e dos discursos de ódio. O anonimato, que antes era um escudo para a expressão honesta, tornou-se uma máscara para a crueldade e a intolerância. ...

A linguagem da Internet, que prometia nos libertar, às vezes nos aprisiona em bolhas de eco, onde só ouvimos o que queremos ouvir, e o diálogo se torna um monólogo. Entretanto, nem tudo está perdido. A Internet ainda é um vasto oceano de possibilidades, onde podemos encontrar solidariedade, empatia e compreensão. ...

A verdadeira riqueza da Internet reside em nossa capacidade de escolher como usar essa linguagem poderosa. Podemos optar por construir pontes em vez de muros, por promover o entendimento em vez da divisão, por usar nossas palavras para curar e não para ferir. ...

Assim como na frase de Shakespeare, a Internet nos ensinou uma nova linguagem. E o lucro que obtemos dela depende de como escolhemos usá-la. Entre as maldições e as bênçãos, está a nossa escolha, e com ela, o poder de moldar o mundo digital à nossa imagem. Que possamos escolher sabiamente, para que a história da Internet seja uma crônica de redenção e não de ruína”.

Eu pouco poderia adicionar ao texto acima. Sobre os cuidados com nossas expressões, em Fédon, de Platão, Sócrates adverte Críton: “Bem sabes, caro Criton, uma linguagem inadequada não apenas ofende, como deteriora a própria alma de quem fala”. Agora que podemos falar com tanto alcance e facilidade, que valorizemos cada palavra.

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Sobre Caliban:
https://www.shakespearegeek.com/2017/03/is-caliban-human.html/


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Resposta completa do ChatGPT a fazer uma analogia entre a frase da Caliban e a Internet:

Era uma vez, em um tempo não tão distante, quando a internet era ainda uma novidade brilhante e desconhecida, uma terra de promessas ilimitadas e horizontes sem fim. Cada clique, cada link, cada página carregada abria uma nova janela para o mundo. Era como se tivéssemos descoberto uma nova linguagem, uma língua franca que nos conectava a milhões de pessoas em todos os cantos do globo. Embarcamos nessa jornada digital com os corações cheios de esperança e os olhos brilhando de curiosidade.

“You taught me language, and my profit on’t Is I know how to curse.” As palavras de Shakespeare ressoam com uma verdade amarga e atual. Aprendemos a linguagem da internet, e com ela ganhamos a capacidade de nos expressar livremente, mas também a habilidade de proferir maldições que ecoam pelos cabos de fibra ótica e antenas de Wi-Fi. A promessa de uma utopia digital, onde todos seriam ouvidos e compreendidos, deu lugar a um campo de batalha verbal, onde as palavras são armas e os emojis, escudos.

No início, a internet era um terreno fértil para a colaboração e o compartilhamento de conhecimento. Fóruns e blogs eram os novos centros comunitários, onde pessoas com interesses comuns se reuniam para discutir, debater e aprender umas com as outras. A Wikipedia, com sua promessa de uma enciclopédia livre e colaborativa, era um farol de esperança, iluminando o caminho para um futuro onde o conhecimento seria acessível a todos.

Mas com o tempo, a linguagem da internet se transformou. A promessa de comunicação ilimitada trouxe consigo a praga da desinformação, das fake news e dos discursos de ódio. O anonimato, que antes era um escudo para a expressão honesta, tornou-se uma máscara para a crueldade e a intolerância. Aprendemos a arte do “troll”, do “cyberbullying”, e das campanhas de difamação que podem destruir vidas com um simples clique.

As redes sociais, concebidas como ferramentas para nos conectar, tornaram-se arenas de competição, onde a validação vem na forma de curtidas e compartilhamentos, e a busca por aprovação pode levar à alienação e ao desespero. A linguagem da internet, que prometia nos libertar, às vezes nos aprisiona em bolhas de eco, onde só ouvimos o que queremos ouvir, e o diálogo se torna um monólogo.

Entretanto, nem tudo está perdido. A internet ainda é um vasto oceano de possibilidades, onde podemos encontrar solidariedade, empatia e compreensão. Movimentos sociais encontram voz e força nas redes, causas justas ganham aliados ao redor do mundo, e histórias de resiliência e coragem nos inspiram a lutar por um futuro melhor.

A verdadeira riqueza da internet reside em nossa capacidade de escolher como usar essa linguagem poderosa. Podemos optar por construir pontes em vez de muros, por promover o entendimento em vez da divisão, por usar nossas palavras para curar e não para ferir. A jornada continua, e a cada dia, cabe a nós decidir se o legado da linguagem da internet será um cântico de esperança ou uma maldição de desespero.

Assim como na frase de Shakespeare, a internet nos ensinou uma nova linguagem. E o lucro que obtemos dela depende de como escolhemos usá-la. Entre as maldições e as bênçãos, está a nossa escolha, e com ela, o poder de moldar o mundo digital à nossa imagem. Que possamos escolher sabiamente, para que a história da internet seja uma crônica de redenção e não de ruína.

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A frase citada, do Fédon de Platão:

"[115e] but shall go away, so that Crito may bear it more easily, and may not be troubled when he sees my body being burnt or buried, or think I am undergoing terrible treatment, and may not say at the funeral that he is laying out Socrates, or following him to the grave, or burying him. For, dear Crito, you may be sure that such wrong words are not only undesirable in themselves, but they infect the soul with evil. No, you must be of good courage, and say that you bury my body,—and bury it".





terça-feira, 2 de julho de 2024

Os ipês-roxos

Começa o inverno, mas a cidade consegue se enfeitar. Nesta época do ano, por onde se vá, vêm-se ipês floridos em cachos roxos e rosas, desafiando o cinzento da estação. Isso me levou a reminiscências da juventude e lembrou-me algo que, no final dos anos 60, gerara uma correria aos ipês, chegando inclusive a ameaçar sua existência: surgiram notícias, abonadas por cientístas da área, de que a casca do ipê-roxo, devidamente reduzida a pó, poderia ser usada em infusões e pomadas para combater uma série de moléstias, desde afecções de pele, até… o câncer.

Para dar mais consistência às memórias, recorri ao acervo do Estadão, e lá estava o artigo, na página 10 da edição de 17 de março de 1967, “Ipê-roxo já está esgotado”. Descrevia a comoção da moda, com detalhes. Por sorte não se extinguiram os ipês, e podemos apreciá-los em toda sua beleza. Por azar as doenças seguem impávidas, e o ipê não lhes causou mossa perceptivel. Mas o ponto aqui é ressaltar que sempre estivemos sujeitos a notícias de credibilidade questionável, a “contos do vigário”, a venda de “terrenos na lua”, a oferta de “bilhetes premiados”. Ou seja, “nada há de novo sob o sol”.

Não é o caso, creio, de aumento da credulidade humana, mas de um alcance muito maior provido pela Internet. As potenciais vítimas (sempre as houve) são hoje acessíveis instantaneamente e em qualquer parte do mundo. Recebi um dito espirituoso em espanhol, que tento traduzir, mesmo arriscando perder a verve original: “Lembram-se de que, antes da Internet, tributávamos um certo clima de ignorância geral à dificuldade da disseminação da informação? Bem, vê-se hoje que… não era isso!”.

Isso me leva a outro ponto interessante: na peça de Shakespeare, A Tempestade, há a conhecida citação, algo cínica e que também foi usada por Aldous Huxley, “admirável mundo novo…”. Uma das personagens, Caliban -habitante primitivo da ilha, filho de feiticeira, um ser algo disforme e brutal - foi objeto de “educação” por parte de nobres que, expulsos de Milão, fugiram para a ilha e lá o encontraram. Certamente há grande ressentimento de Caliban contra os invasores. Numa frase que poderia ser aplicada à comunicação que a Internet permitiu e estimulou, Caliban, amargamente, denuncia: “me ensinaram uma nova linguagem e, a meu proveito, o que aprendi foi como usá-la para amaldiçoar”…

A evolução meteórica da tecnologia nas décadas nos permitiu retomar com impulso inédito antigas ideias como a IA. Antes, elas mais se prestavam à ficção científica que à realidade, por exigirem poder do computação de que não dispúnhamos. Steve Crocker, pioneiro da rede, em apresentação recente sumarizou: - a tecnologia segue evoluindo segundo a lei de Moore, exponencialmente. Com isso, coisas antes apenas ideadas tornam-se realidade e um poder enorme está em nossas mãos; mas - a natureza humana segue como sempre foi, com todas as suas nuances. Conclui a apresentação com “resta-nos torcer pela preservação do bom senso e por termos sorte nos caminhos que escolhermos”.

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Ipe-roxo


O texto do Estadão, de março de 1967

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citações de A Tempestade:
de Miranda, filha de Próspero:

“O, wonder!
How many goodly creatures are there here!
How beauteous mankind is! O brave new world,
That has such people in't!”

de Caliban:
“You taught me language, and my profit on't / Is, I know how to curse”