Saiu na semana que passou um artigo na Science Magazine, “a disseminação de notícias verdadeiras e falsas”, que comenta “fake news”. Traz métricas e analisa comportamentos mas, apesar de recém-publicado, trata do que passou até 2017. Certamente há um fator de escala devido ao robusto e constante crescimento da Internet, porém não há porque sua essência hoje ser muito diferente da que era há três anos.
O primeiro ponto que chama a atenção: o artigo postula a que se abandone o termo “fake news”, cujo sentido considera irremediavelmente polarizado pelos meios e pela política. Os autores preferem usar “notícias falsas” a “fake news” que se tornou, mais que algo relacionado à veracidade, numa espécie de labéu que uns impingem aos outros. Outra conclusão do estudo é que as notícias falsas propagam-se mais rapidamente que as parcialmente falsas, e estas mais rapidamente que as verdadeiras. Aduz que isso se deve ao comportamento humano de apressar-se em repassar o que pareceria causar mais impacto. Também identifica as áreas mais afetadas: em ordem descrescente viriam a política, as lendas urbanas, os negócios, terrorismo/guerra, e ciência/tecnologia.
Se tentarmos uma analogia (precária, como costumam ser as analogias…) poderíamos dizer que há uma “pandemia de notícias falsas”, que nos atinge globalmente. Não muito diferente do que se passa com os vírus e as bactérias que nos afligem. Como se enfrentaria uma peste deste tipo? Prosseguindo na analogia, poderíamos pensar em isolar-nos do debate, em filtrar ou bloquear notícias, em não participar de redes sociais mantendo-nos em “quarentena”… Talvez com isso “achatássemos” o pico da onda, mas provavelmente não resolveriamos esse problema, tão velho como o mundo. Ele continuaria à espreita, para voltar à carga; afinal, se no cristianismo a mentira é apanágio de Lúcifer, o portador da luz, na mitologia nórdica há uma divindade especializada em enganar: Loge, o deus do fogo, é ardiloso, astuto e não se melindra em aplicar todo o tipo de embustes.
Assim, a médio prazo, a solução real seria que nós mesmos nos defendêssemos. Criaríamos “anticorpos” às mentiras que nos assediam. Olhando o passado vemos que tem acontecido: com mais exposição aos fatos, passa-se a separar o que parece verídico do que é falso, e a escolher as fontes em que confiar. Com a Internet e as redes sociais, todos somos “fontes de informação”, mas isso não impede que passemos a dar crédito seletivo a algumas fontes, e criemos mecanismos para obter alguma garantia de veracidade.
Qual seria, então, o “anticorpo” que nos defenderia da ameaça de “infecção” por notícias falsas? O amadurecimento propiciado pela educação, o aumento na diversidade da informação que recebemos, e a melhora nos mecanismos de que lançamos mão para discriminar entre o que é crível e o que podemos rotular de ficção! O remédio contra a informação falsa é, portanto, mais informação!
E o atual projeto de lei que procura combater as “fake news”? Tenho, independentemente das “boas intenções” de que ele esteja pleno, muito receio em seguir na sua linha, seja pelos riscos à privacidade, seja por efeitos colaterais. A posição mais prudente em relação ao projeto, que não teve ainda uma discussão aberta e extensa, parece ser aquela aconselhada pelo poeta em Cântico Negro:
“‘Vem por aqui’- dizem-me alguns com os olhos doces / estendendo-me os braços, e seguros / … /Nãosei por onde vou, / não sei para onde vou/ - Sei que não vou por aí!
https://science.sciencemag.org/content/359/6380/1146