segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Mais um ano de cachorro

Lá se foi mais um “ano de cachorro “ para a Internet… Calma! Há mais de uma interpretação para essa expressão, que é antiga e deve ter mais de 100 anos de existência (pelo calendário “canino”). É que para a rede 1 ano equivale cabalisticamente a 7 anos normais. Ou seja, em 1 ano humano a rede progride 7! A analogia refere-se ao que se passa como nossos amigos latedores e peludos: vivem intensamente num ritmo sete vezes maior que o nosso. O tempo para eles corre muito mais rapidamente que para nós.

Já em 1965, Gordon Moore, um então jovem químico e que foi um dos fundadores da Intel, enunciara uma “lei” que previa que a cada 18 meses o avanço da tecnologia faria com que as características de um dispositivo eletrônico dobrassem de capacidade a um mesmo custo. Ou seja, se pagamos x por algo que tem y de capacidade (processamento, memória, resolução, banda, etc), um ano e meio depois, pelo mesmo x, teremos algo próximo do dobro de tudo isso.

Foi anunciada há 50 anos como uma forma impactante de medir o progresso tecnológico e o mais impressionante é que ela se mantem válida até hoje! Bits, quilobits, megabits, gigabits, terabits, petabits, exabits etc etc provam isso de forma cabal. Claro que a “lei” de Moore aplica-se também ao poder de estrago.

Hoje, batalham-se na rede guerras virtuais, mente-se e frauda-se através dela, espiona-se com sua ajuda. Mas nada disso embaça o que se conseguiu. Lógico que já há alguma mostra de exaustão. Os rins da “lei” de Moore já doem um pouco, sua glicemia está além do recomendável, usa óculos para ler de perto e, como qualquer cinquentona, perdeu algo do viço dos cabelos, mas ainda aguentará o repuxo por mais alguns anos… Ao menos é o que esperamos dela.

A Internet segue o mesmo ritmo frenético. Se um 1994 o Brasil inteiro estava conectado com 2 megabits/s à rede, essa banda hoje seria considerada inaceitável para a conexão de um único domicílio. Antes da Web existir, a Internet era texto puro e, portanto, muito econômica. Nada de imagem, som, vídeo e… receber filmes em casa com alta definição, nem pensar! Algo totalmente inimaginável, mesmo nas previsões mais futuristas e agressivas. Banda em cabo submarino coaxial, metálico, competindo com telégrafo, telex e alguma telefonia era para ser disputada “a tapas”.

E, entrentanto, eis-nos aqui, ao final de 2014, insaciáveis em nosso consumo de recursos. Talvez tenhamos perdido a arte de usar com parcimônia o que é (ou era) caro e raro, e isso pode ser uma mudança cultural ainda não muito bem avaliada. Mas, se perdemos alguns anéis, temos que batalhar para preservar os dedos.

E chegamos à parte boa da notícia. No ano de cão de 2014, fomos bem! Devíamos, de prazer, uivar para a lua cheia. Aprovamos o Marco Civil e esse é um feito internacionalmente reconhecido. Realizamos uma reunião multissetorial, a Netmundial, que gerou dois documentos que podem balizar o futuro da governança da rede (e ajudar a preservar os dedos!).

O Brasil é apontado como tendo a melhor legislação para proteção da rede e dos internautas e, nesse aspecto, está sendo seguido por outros países. E seu modelo de governança participativo e leve é considerado paradigma. Perseveremos!

Estamos tendo problemas e desafios novos, mas nada disso embaça o que se conseguiu. Vamos em frente que mais anos de cachorro nos aguardam!. Bom 2015!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

A internet não esquece

O que nos cerca muda rapidamente e nem sempre nos damos conta disso. Nos velhos tempos, por exemplo, se alguém recebia uma carta de que não gostava ou que o ofendia, podia rasgá-la ou queimá-la e ela desapareceria para sempre, sem vestígios. Hoje, com os meios baratos e quase infinitos de armazenamento eletrônico de informações, pode ser impossível nos livrarmos de um simples e-mail.

Claro que podemos apagar a mensagem que nos incomodou, mas é pouco provável que ela, de fato, suma definitivamente. Para manter a confiabilidade e garantia contra erros involuntários dos clientes, os provedores sérios de correio eletrônico guardam cópias - os "backups" - que, queiramos ou não, podem preservar coisas à nossa revelia. E sem falar do que nós mesmos colocamos impensadamente na rede e, mais tarde, concluímos que foi uma bobagem ter feito aquilo. Ah, se arrependimento matasse... Como Turiddu diz a Santuzza na ópera Cavalleria Rusticana, depois de uma acalorada discussão, "pentirsi è vano dopo l'offesa", ou seja, é inútil penitenciar-se depois de cometer uma ofensa.

Assim, o que é colocado na Internet pode tornar-se irremovível na prática: ou os próprios sistemas de armazenamento irão guardá-lo ou, se causou algum impacto bom ou mau entre os usuários, alguém terá tirado uma cópia. A conclusão é fácil de dar e difícil de cumprir, como todos os bons conselhos: não devemos colocar nada em rede aberta de que possamos nos arrepender mais tarde. Mas quem resiste à tentação de replicar algo interessante que leu, mesmo sem ter nenhuma certeza de que seja um fato real e não uma simples invenção de alguém? Minha avó usava uma expressão grega para coisas que fazemos impulsivamente e depois não mais podemos desfazer. Dizia: "pronto! caiu o açúcar na água". Se jogarmos uma colher de açúcar num tanque de água, por mais que filtremos não conseguiremos removê-lo: sempre algo sobrará diluído lá no meio.

Essa característica da rede compromete também a eficácia de um eventual direito que se postula hoje: o direito ao esquecimento. Um parêntese aqui: como engenheiro, tenho sérias dúvidas lógicas de como poderíamos ter direito sobre algo que não está em nosso controle. Eu, certamente, tenho direito de esquecer - e certamente esquecerei - coisas que estão em minha memória, mas não imagino como ter direito a que você esqueça coisas que estão na sua memória. Mesmo que esse "sua" se refira à Internet.

Bem, supondo que esse direito exista, líquido e certo, não há como magicamente apagar todas as referências a algo na rede. Mesmo que os buscadores recebam ordens para ignorar o tal conteúdo e não indexá-lo, em algum lugar estará armazenado, pronto para sair à luz num momento futuro.

Hoje, quando floresce o narcisismo e o individualismo, popula-se a rede com autofotografias nas mais variadas situações, às vezes para documentar, muitas vezes só para satisfazer o ego. O demônio, pela boca de Al Pacino no filme Advogado do Diabo, afirma categoricamente: "vaidade é meu pecado preferido". A Internet não esquece, e aí é que mora o perigo.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A verdade sai de um poço

No mar de informação infinita que há na Internet parece tarefa impossível separar o que é verdade do que é farsa. Não era assim no começo, quando a rede era basicamente acadêmica: sem apelo comercial e tendo no correio eletrônico sua principal forma de interação. Mas a Web, o acesso livre e abrangente a todos, gerou esse fluxo enorme de informação das mais diversas origens e qualidades.
Um pessimista diria que não há como retomar o rumo e estaremos cada vez mais perdidos, sem saber como separar o joio do trigo. Eu, otimista incorrigível, penso que, ao contrário, as impurezas tenderão a sedimentar, deixando o que é verdadeiro à tona. Se a Internet é espelho da sociedade e do comportamento humano, recuso-me a assumir que uma grande parte de seus integrantes seja perversa ou mal-intencionada.

Tenho um exemplo edificante: a Wikipédia, uma enciclopédia colaborativa que começou em 2001 de forma muito modesta, especialmente se compararmos com seus equivalentes em papel. Na biblioteca do colégio, por exemplo, repousavam os 82 alentados volumes de uma enciclopédia em papel, a Espasa-Calpe.

Hoje, a Wikipédia é um gigantesco (e confiável) repositório de dados. Foi construída de forma aberta, colaborativa e sem remuneração. Apesar dos riscos, ninguém pode acusá-la de ter-se deteriorado pela ação dos mal-intencionados...

Assim, é possível que a verdade prevaleça. Claro que não tenho a menor competência para discutir o que seja verdade, ou adicionar um miligrama ao que pensadores edificaram durante séculos. Bento XVI tem uma frase ótima: "a verdade, realmente, encontra força em si mesma e não na quantidade de consenso que obtém". Ou seja, não chegaremos a ela por estatística ou votação.

Mas não resisto a terminar sem uma historinha. Tivemos na Escola Politécnica, entre muitos brilhantes mestres, Wagner Waneck Martins, um professor, já falecido, que era tudo, menos convencional. Ele defendia, por exemplo, que, para simular adequadamente um ser humano, um computador não deveria ter processador numérico, já que nós, humanos, não temos.

Waneck e a verdade: um dos privilégios dos que tiveram aula com ele é que estão entre os poucos que podem alegar conhecer a definição de "verdade". Sim! Esse conceito que assombra a todos desde sua origem, foi desvendado para nós por ele, de forma cabal. "Verdade é uma mulher que sorri para você, nua e bela no fundo de um poço. Você olha ansioso para ela, mas... ela sacode o dedo e diz nãããão."

Nós, simples politécnicos, ríamos de mais essa tirada de humor. Trinta anos mais tarde, vi que mais do que uma brincadeira, havia sempre profundidade e brilho no que o mestre Waneck dizia.

Ao perambular pela Internet descobri que, atribuída a Demócrito, ou a Heráclito, ou ambos, há referência à "verdade" como "jazendo no fundo de um poço". E um provérbio francês, reproduzido em quadros que mostram uma mulher nua saindo de um poço, diz que "la vérité sort d'un puits" - a verdade sai de um poço... Sairá também do oceano que é a Internet!


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Jean Léon Gerome,1896.  La Vérité sortant du puits