segunda-feira, 25 de julho de 2016

Infância aumentada

Outro dia, conversando sobre os tempos, veio à tona a ideia de que mudanças culturais, que podem ser muito rápidas, hoje estão se acelerando ainda mais. Enquanto características biológicas evoluem lentamente, comportamentos são muito mais sujeitos à pressão do momento e podem mudar radicalmente em poucos anos. Lembrei-me de uma frase do Mário Quintana: “Quando guri, eu tinha de me calar à mesa: só as pessoas grandes falavam. Agora, depois de adulto, tenho de ficar calado para as crianças falarem”. Há, até, uma teoria pessoal para justificar essa aceleração – o gradativo porém inexorável desaparecimento da figura das avós. Sim, ao menos em minha geração, as avós eram o elo, o fio condutor que transmitia a nós, infantes, os conceitos que diziam parte à formação cultural, moral e ética. “Não deixe comida no prato”, “não minta”, “criança só deve falar quando perguntada”, “se houver um idoso em pé, levante-se e ceda o lugar”, etc.

Como ainda tenho algum juízo, não entro no mérito se antes era melhor ou não, mas era diferente. Hoje, as crianças estão padronizadas pelos seus formadores, em geral terceirizados, com pouco contato com pais e menos ainda com avós, uma espécie praticamente extinta. Haverá consequências que, certamente, ainda não se consegue avaliar e só o tempo mostrará como as novas gerações vão valorar os princípios que eram caros à nossa época.

Tecnologia tem, certamente, papel importante nessa guinada cultural. Veja-se, por exemplo, essa atração por jogos. É inegável que o homo ludens sempre esteve entre nós, e com grande diversidade: desde o sonho infantil, muitas vezes inatingível, de possuir um trenzinho elétrico, ao duvidoso prazer adulto de assistir a uma luta torcendo por um dos lutadores. O esperto mercado, usando das armas tecnológicas, sabe aproveitar-se disso e lança a ludificação geral (renomeada, a meu ver de forma bisonha, de “gamificação”).

Marmanjos andam na rua à caça de monstrinhos imaginários, correndo o risco de atropelamentos, acidentes ou, simplesmente, da exposição ao ridículo. Moças ficam presas no alto de árvores buscando “pokémons”. E esses “entes” serão treinados e mimados, como se galos de briga fossem, para participar de “rinhas no éter”. Sem sangue, sem sofrimento real, mas com toda a torcida e a adrenalina gerada. Rinhas virtuais disputadas por galos imaginários e cujos donos escolhem permanecer adolescentes. Que diria Jânio Quadros, se vivo estivesse, ele que proibiu as rinhas de galo?

O rótulo dessa moda é “realidade aumentada”. Realidade virtual, aumentada, apoiada em inteligência artificial, sempre foi uma linha arduamente buscada pela pesquisa de ponta, aquela reservada aos mais corajosos e preparados. Será que o parto dessa montanha de esforços, acumulados por tanto tempo, resume-se apenas a isso? Esse ratinho? Pensando positivamente, “realidade aumentada” não deve se limitar a ser uma “infância aumentada”. As possibilidades de seu uso deveriam ser bem mais ambiciosas, incluindo educação, exploração de ambientes que só podem ser visitados virtualmente. Andarmos por dentro do corpo humano ou das crateras da Lua, usando a realidade aumentada! Parece-me uma alternativa mais atraente!

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https://link.estadao.com.br/noticias/geral,infancia-aumentada,10000064783

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https://img.estadao.com.br/resources/jpg/4/6/1468528579364.jpg




segunda-feira, 11 de julho de 2016

Internet e jabuticabas

O grande Nelson Rodrigues definiu como “complexo de vira-lata” a tendência de nós, brasileiros, nos sentirmos inferiores quando comparados ao “mundo desenvolvido”. Adicione-se a isso a classificação pejorativa de “jabuticaba” das coisas que existiriam apenas no Brasil e, assim, por extensão, seriam automaticamente criticáveis. Cá entre nós, jabuticaba é uma fruta deliciosa.


Um caso em que o “complexo de vira-lata” não se aplica é na forma como o País tratou da Internet desde seu aparecimento por aqui. Desde 1995, com a publicação da Norma 4 do Ministério das Comunicações e ano da criação do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), a governança da Internet no Brasil tem uma estrutura multissetorial para orientar (não fiscalizar...) sua expansão e desenvolvimento.

O CGI.br é uma suculenta jabuticaba, tanto que seu modelo passou a ser copiado por outros países e a ser citado como paradigma de gestão correta e eficiente da Internet, sem criação de cartórios e burocracia desnecessária.

O NetMundial, realizado em 2014, em cuja abertura o Marco Civil foi assinado, deixou patente o reconhecimento internacional da linha que o Brasil segue desde 1995. Não à toa o Marco Civil foi considerada a melhor lei para a rede e, para citar poucos exemplos, a França e a Itália emitiram legislações na linha do Marco Civil, o Líbano e a Costa Rica criaram comitês gestores nos moldes do brasileiro. A trilha aberta em 1995, iluminada em 2009 com a aprovação e divulgação do “decálogo” do CGI.br – e consolidada em 2014 com o Marco Civil – é merecedora das loas internacionais que recebe. Exportamos nossa jabuticaba!

Isso não impede, contudo, que de tempos em tempos haja tentativas de enquadramento da Internet nas molduras tradicionais que ela sistematicamente supera. Discute-se a eventual necessidade de sua regulação, nos moldes do que ocorre com telecomunicações.

Um provedor de Internet que use canais de rádio pode precisar de licença para usar espectro público. Para isso existe a licença de SCM (Serviço de Comunicação Multimídia) da Anatel. Mas dar acesso à rede usando a infraestrutura existente, ou criar conteúdos e aplicações, prescindem de autorização e foi essa característica que permitiu a expansão da Internet no ritmo que vimos. O Marco Civil coroa esse processo ao protegê-la de tentativas de regulação excessiva. Afinal, ela é um ambiente transnacional e, se tentarmos criar uma legislação brasileira específica e restritiva estaremos, aí sim, com uma jabuticaba, das mais azedas, na mão.

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https://link.estadao.com.br/noticias/geral,internet-e-jabuticabas,10000062135

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https://en.wikipedia.org/wiki/Jabuticaba