Amanhã é feriado, dia de folga. Amanhã é dia de Natal que, a muitos de nós, remete a preciosas lembranças da infância. O agridoce sabor de recordar momentos e pessoas, vínculos e interações, objetivos e planos, que ficaram para sempre no horizonte.
A crescente aceleração do tempo me faz lembrar (e dar razão!) a uma explicação que o Alberto Gomide tinha, à época da Fapesp: “Não é que as coisas andem mais depressa agora. É que, à medida que envelhecemos, o tempo encolhe. Você lembra, no primário, como demorava para chegar a hora do recreio? E as férias de julho? Agora, que estamos mais velhos, você pisca, e já é Natal de novo”. Outra referência a essa aceleração associada à idade está em “Morte em Veneza”, do Thomas Mann. Lá Aschenbach relembra que em sua casa paterna havia uma ampulheta, e lhe era tedioso ver a areia lentamente, interminavelmente esvair-se. Perto do fim, porém, tudo muda. Forma-se um pequeno vórtice e o que restou de areia escoa-se quase instantaneamente. Já não há tempo para nada...
Outra reminiscência da época é o uso do latim como a língua litúrgica dos católicos, o que trazia uma mística e uma cor adicional a tudo. “Sursum Corda”, “Corações ao Alto”, um chamamento que sempre repercutiu fundamente na alma dos fiéis. Elevar-se acimas das mundanidades, das disputas mesquinhas, livrar-se das cadeias que nós mesmos fabricamos e que nos prendem a objetivos menos nobres. Charles Dickens criou uma preciosidade para a data: “Um Conto de Natal”, cuja personagem central, Ebenezer Scrooge tornou-se o posterior modelo para o Tio Patinhas, criação da Disney. Um conto em que um velho de carácter mesquinho redime-se pela mágica do Natal: seu falecido sócio, Jacob Marley, envia-lhe três fantasmas que surgem em sonhos e o fazem rever seus valores pessoais. Um quarto fantasma, o do próprio Marley, aparece arrastando pesadas correntes e busca chamá-lo à razão: “essa corrente que carrego, eu mesmo a forjei em vida. Elo por elo, metro por metro, por minha livre e espontânea vontade, e assim a carregarei comigo... Você a acha estranha?”.
Manter ao alto o coração, refrear o instinto de responder a cada palavra ou ato que nos
desagrade, evitando aumentar o tom e a ira. É difícil e cada vez mais raro respeitar limites,
quando se tem um canal superlativo e instantâneo de resposta ao alcance da mão. A “hybris”, aquela forma de soberba e de extrapolação de limites, a que os deuses gregos puniam exemplarmente, vale-se hoje da Internet. Elevar a alma é fugir da arrogância e da soberba, levando-a para alturas inalcançáveis aos de baixos propósitos.
Outro texto do Dickens, Um Conto de Duas Cidades, abre com algo que, assustadoramente,
poderíamos associar ao que se vive hoje, especialmente com a Internet. Esperemos não seja
assim que nossos tempos sejam lembrados pelos que nos sucederão: “Foi o melhor dos tempos, e o pior. Foi a era da sabedoria e a era da tolice, foi a época da fé e da descrença, foi o período da luz e o período das trevas, foi a primavera da esperança e o outono do desespero, tínhamos tudo diante de nós, e tínhamos o nada pela frente, estávamos indo direto ao Paraíso, ou claramente a outro extremo...”
Bom Natal a todos!
...
- Sursum Corda
- Dignum et iustum est.
...
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A crescente aceleração do tempo me faz lembrar (e dar razão!) a uma explicação que o Alberto Gomide tinha, à época da Fapesp: “Não é que as coisas andem mais depressa agora. É que, à medida que envelhecemos, o tempo encolhe. Você lembra, no primário, como demorava para chegar a hora do recreio? E as férias de julho? Agora, que estamos mais velhos, você pisca, e já é Natal de novo”. Outra referência a essa aceleração associada à idade está em “Morte em Veneza”, do Thomas Mann. Lá Aschenbach relembra que em sua casa paterna havia uma ampulheta, e lhe era tedioso ver a areia lentamente, interminavelmente esvair-se. Perto do fim, porém, tudo muda. Forma-se um pequeno vórtice e o que restou de areia escoa-se quase instantaneamente. Já não há tempo para nada...
Outra reminiscência da época é o uso do latim como a língua litúrgica dos católicos, o que trazia uma mística e uma cor adicional a tudo. “Sursum Corda”, “Corações ao Alto”, um chamamento que sempre repercutiu fundamente na alma dos fiéis. Elevar-se acimas das mundanidades, das disputas mesquinhas, livrar-se das cadeias que nós mesmos fabricamos e que nos prendem a objetivos menos nobres. Charles Dickens criou uma preciosidade para a data: “Um Conto de Natal”, cuja personagem central, Ebenezer Scrooge tornou-se o posterior modelo para o Tio Patinhas, criação da Disney. Um conto em que um velho de carácter mesquinho redime-se pela mágica do Natal: seu falecido sócio, Jacob Marley, envia-lhe três fantasmas que surgem em sonhos e o fazem rever seus valores pessoais. Um quarto fantasma, o do próprio Marley, aparece arrastando pesadas correntes e busca chamá-lo à razão: “essa corrente que carrego, eu mesmo a forjei em vida. Elo por elo, metro por metro, por minha livre e espontânea vontade, e assim a carregarei comigo... Você a acha estranha?”.
Manter ao alto o coração, refrear o instinto de responder a cada palavra ou ato que nos
desagrade, evitando aumentar o tom e a ira. É difícil e cada vez mais raro respeitar limites,
quando se tem um canal superlativo e instantâneo de resposta ao alcance da mão. A “hybris”, aquela forma de soberba e de extrapolação de limites, a que os deuses gregos puniam exemplarmente, vale-se hoje da Internet. Elevar a alma é fugir da arrogância e da soberba, levando-a para alturas inalcançáveis aos de baixos propósitos.
Outro texto do Dickens, Um Conto de Duas Cidades, abre com algo que, assustadoramente,
poderíamos associar ao que se vive hoje, especialmente com a Internet. Esperemos não seja
assim que nossos tempos sejam lembrados pelos que nos sucederão: “Foi o melhor dos tempos, e o pior. Foi a era da sabedoria e a era da tolice, foi a época da fé e da descrença, foi o período da luz e o período das trevas, foi a primavera da esperança e o outono do desespero, tínhamos tudo diante de nós, e tínhamos o nada pela frente, estávamos indo direto ao Paraíso, ou claramente a outro extremo...”
Bom Natal a todos!
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- Sursum Corda
- Habemus ad Dominum.
- Gratias agamus Domino Deo nostro.- Dignum et iustum est.
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https://link.estadao.com.br/noticias/geral,sursum-corda,70003135218
Imperdível a cena abaixo, do filme de Luchino Visconti, Morte em Veneza, com o Dirk Bogarde no solilóquio da ampulheta:
https://www.youtube.com/watch?v=9QAPwqctCdo
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Um Conto de Natal, Charles Dickens, em domínio público:
https://www.ibiblio.org/ebooks/Dickens/Carol/Dickens_Carol.pdf
com a parte do fantasma de Marley com as correntens na página 22
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Começo de "Um Conto de Duas Cidades", Charles Dickens, em domínio público:
http://www.gutenberg.org/files/98/98.txt
https://www.youtube.com/watch?v=9QAPwqctCdo
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Um Conto de Natal, Charles Dickens, em domínio público:
https://www.ibiblio.org/ebooks/Dickens/Carol/Dickens_Carol.pdf
com a parte do fantasma de Marley com as correntens na página 22
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Começo de "Um Conto de Duas Cidades", Charles Dickens, em domínio público:
http://www.gutenberg.org/files/98/98.txt
It was the best of times,
it was the worst of times,
it was the age of wisdom,
it was the age of foolishness,
it was the epoch of belief,
it was the epoch of incredulity,
it was the season of Light,
it was the season of Darkness,
it was the spring of hope,
it was the winter of despair,
we had everything before us,
we had nothing before us,
we were all going direct to Heaven,
we were all going direct the other way--
...
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