terça-feira, 24 de julho de 2018

Redomas ou vacinas?

O que faz uma notícia falsa ser eficiente? Ou, de outra forma, o que leva alguém a acreditar numa notícia falsa? Os recentes eventos demonstram o aperfeiçoamento de uma estratégia antiga. Parte-se do óbvio: é difícil mudar preferências sedimentadas de cada um. Logo, continua sendo mais eficaz “chover no molhado” e indiretamente focar nos indecisos, ou nos não seguros de suas preferências, para trazê-los ao campo de interesse do propagador das inverdades e meias-verdades.

A Internet, as redes sociais e o “big data” permitem facilmente mapear e classificar os usuários em categorias de interesse. Feita a taxonomia, a receita é simples: mandar a cada grupo a informação que ele desejaria ouvir, seja ela verdadeira o não. Esse tipo de mensagem não encontrará barreira de entrada: será “bem-vinda” na mente do receptor. Erro seria mandar mensagens cujo conteúdo não apoia a “realidade” em que o usuário se sente bem. Mesmo que uma mensagem seja verdadeira, se é contrária aos interesses do receptor, é indesejada e desconfortável. Afinal “ninguém ama o portador de más notícias”.

A estratégia fica fácil de esboçar: manda-se a cada grupo o que ele mais quer ouvir (até mesmo uma mentira) e o grupo, além de reforçar o próprio posicionamento, vai rapidamente disseminar a notícia, gerando “conquistas” no campo dos indecisos. É a guerra de versões, que a Internet tornou mais potente e insidiosa. Mesmo alguém, perfeitamente íntegro e correto, porém menos atento, poderá ser vítima de uma notícia falsa instilada ardilosamente. Tudo se passa como se o seu “sistema imune” não detectasse o “patógeno” e deixasse a porta aberta ao acesso.

Como prover meios de defesa? De forma rudimentar, há duas principais opções à mão: blindar o usuário do ataque, para que ele não seja vítima de “organismos deletérios”, ou: aumentar sua “autodefesa” para que consiga, por si mesmo, impedir o acesso das pragas. Como forma de implementar essas opções, ainda nesta analogia simplória, pode-se: colocar os pacientes dentro de redomas, defendendo-os do que chega, ou: melhorar sua autodefesa (por exemplo, com vacinas), tornando-os mais eficientes contra ataques.

A solução “redoma” traz uma tentação adicional, porque representa um mecanismo de controle. Quem opera a redoma controla o que o paciente pode ou não receber. Quem configura a redoma decide o que é nocivo ou falso. Quem controla a redoma, enfim, define o que se vê do mundo. Se a redoma for perfeita e indevassável, o paciente conhecerá o que o controlador permitir, e viverá em seu mundo limitado, com a segurança provida pela redoma.

Já a vacina expõe, mesmo que de forma limitada, o indivíduo à doença em si. A vacina alertará o organismo para que ele detecte o que “parece ser uma doença” e contra ela estabeleça proteção. Durante a fase do “aprendizado” alguns cairão em armadilhas, outros não criarão defesas, mas, com o tempo, a “casca” engrossará e todos serão mais resistentes a ataques e armadilhas. Qual a melhor opção?

Certamente é mais árduo melhorar paulatinamente a autodefesa, do que usar, de pronto, uma redoma. Optar por colocar os usuários em redomas tutela seu acesso ao ambiente diverso e muitas vezes perigoso da rede. Fazer campanha por vacinas é ir na direção da conscientização, de fazer saber como proteger-se. Para o espírito da Internet, redomas são abominação.

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