terça-feira, 15 de outubro de 2019

Sem pressa...

É visível que a Internet trouxe sérias rupturas no que conhecíamos (ou achávamos conhecer) como o “velho mundo”. A tentativa remendar o que vemos nesse novo ambiente pode ser tão infrutífera como tampar furos de uma peneira colossal. Resta buscar entender o que se passa, para onde caminhamos, e de que recursos podemos lançar mão com eficiência.

A intercomunicação ampla e... involuntária é uma das dramáticas novidades. Os primeiros exemplos de algo “não explicitamente desejado” vieram com o hoje algo ingênuo “spam”, quando tentava nos vender algo. A evolução, via redes sociais, foi bem mais insidiosa. Trata-se não de vender quinquilharias, mas arrastar-nos a discussões sobre qualquer tema, incluindo os que ignoramos. E atendendo a esse tentador convite, todos falamos, alguns escutam, muitos se manifestam, alguns ofendem e, por seu lado, todos se sentem ofendidos. Há como mitigar? Será que o uso de receitas e tisanas antigas ainda daria resultado na era das redes?

Parte do arsenal canônico é a legislação nacional e uma eventual e judiciosa regulação do mercado, quando necessária. E aí é que a “porca torce o rabo”: com a ausência de fronteiras físicas, a ação local, mais do que resolver o problema, fará apenas com que ele mude seu local original de ação. Pode-se buscar estender o braço da lei para fora das fronteiras – o que parece ser pretensão da Comunidade Européia em certos casos - mas gerando possíveis conflitos de soberania.

A grande maioria dos abusos parece originar-se nas plataformas de poucas empresas, que hoje dominam um mercado altamente concentrado. Antes de discutir se essas empresas devem ou não se arvorar em censores do comportamento alheio, reconheça-se que elas tem os meios para fazer isso, não apenas retroativamente, mas como “prevenção”. Em abril deste ano, lemos que uma das líderes do mercado pedia ao governo de seu país-sede “mais regulação”. Colocava-se “à disposição” para discutir as melhores regras que deveriam ser seguidas para coibir uso e manifestações inadequadas. Se esse movimento, originado em quem lidera o mercado, poderá parecer “inesperado” a alguns, uma análise mais extensa pode jogar alguma luz. O primeiro resultado de uma ação negociada de “auto-controle” é obter uma segurança jurídica para o regulado além de melhora na imagem. Afinal estaria demonstrada a “boa-vontade” ao envidar esforços que mitiguem “abusos”. Uma segunda conseqüência, não tão óbvia, é proteção competitiva, aumentando a barreira de entrada para novos atores: afinal quem teria poder de fogo para alocar recursos humanos e ferramentas de inteligência artificial que deem conta do recado? Uma efeito adicional é passar a tratar uma aplicação comercial, mesmo que líder no mercado, como algo que encarna “interesse público”.

A busca de soluções adequadas aos nossos males é complexa mas há que se evitar o canto de sereia de uma regulação apressada, compartilhada entre governo e grandes agentes no mercado. Pode ser “esmola demais”.

Quanto à legislação adicional e eventual regulação, há que se ir com ponderação. Para que medidas de controle sejam efetivas, precisamos entender melhor o fenômeno e seu entorno. Vale aqui o que o imperador Augusto aconselhava quanto a açodamento: festina lente, apressa-te devagar!


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Mark Zuckerberg e as quatra áreas para as quais ele pede regulação:

https://www.washingtonpost.com/opinions/mark-zuckerberg-the-internet-needs-new-rules-lets-start-in-these-four-areas/2019/03/29/9e6f0504-521a-11e9-a3f7-78b7525a8d5f_story.html

Andrew Sullivan, ISOC:
https://www.internetsociety.org/blog/2018/11/we-wont-save-the-internet-by-breaking-it/


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