terça-feira, 19 de novembro de 2024

Internet em Bizâncio

Em Istambul houve, semana passada, a 81.a reunião da ICANN – entidade que coordena a distribuição global de nomes e números na Internet. São tres reuniões anuais realizadas em rodízio de regiões geográficas, e a última de cada ano é a chamada “reunião geral”. ICANN é uma instituição privada sem fins lucrativos, estabelecida na Califórnia, EUA. Tem como função técnica precípua administrar a “raíz de nomes” da Internet. É nessa “raíz” que se alojam os chamados “domínios de topo”, que formam último “sobrenome” das denominações na rede. Os domínios de topo se dividem em duas famílias com algumas características diferentes: a dos “domínios genéricos” (gTLD), que inclui os populares .com, .net, .org e, por iniciativa da ICANN, já ganhou a adição de mais de 2000 integrantes, e os domínios de código de país (ccTLD), que apresentam-se com duas letras e são cerca de 300: .ar, .br, .ch, .de, etc. A criação de ccTLD precede a da própria ICANN: o .br, por exemplo foi ativado em 1989, e a ICANN consolidada em 1996.

Para se financiar ICANN conta com contribuições, em geral voluntárias, de ccTLD e contribuições definidas em contrato com os gTLD. Assim, a criação de mais gTLD pela própria ICANN, representa também uma forma de a entidade aumentar sua receita. Um aspecto imortante que diferencia gTLD de ccTLD é que, enquanto os gTLD são criados e tem sua forma de funcionar definida através de contrato com ICANN, os ccTLD são sujeitos à legislação local do país em que se encontram. Em favor dos ccTLD pode-se adicionar que, em termos de segurança e como fonte de ataques, eles são mais seguros que os gTLD num fator médio de 5. No caso do .br, por exemplo, são aceitos apenas pedidos de registros com CPF ou CNPJ, e é sempre visível saber quem registrou determinado domínio. Como todos os domínios funcionam igualmente na rede, alguém mal-intencionado provavelmente preferirá registrar sob um gTLD que num ccTLD.

Sendo multissetirial, a ICANN conta também com participação de representantes de governos, num “comitê assessor”, representantes da sociedade civil geral, e representantes de órgãos técnicos relacionados à rede. O tema principal desta reunião foi tratar das providências necessárias e previsões contratuais referentes a uma nova leva de gTLD que será ofertada a interessados. Certamente há muitos pontos de alerta a serem levados em conta, e todos os segmentos envolvidos expressam suas preocupações.

Saindo do tópico, Istambul é uma cidade bem grande, com cerca de 16 milhões da habitantes. Tem longo legado histórico, uma vida fervilhante e se mostra muito segura aos visitantes. Istambul nasceu e foi Bizâncio por mil anos. No ano de 324, reinado de Constantino, for rebatizada Constantinopla, a Nova Roma. Mais 1600 anos se passaram até 1930, quando foi renomeada Istambul. É cheia de monumentos históricos importantes, como a Santa Sofia, construida em 537 para ser a catedral da Nova Roma, e que ainda hoje ostenta seu imponente domo e belos mosaicos. Napoleão teria dito que se o mundo fosse uma única nação, sua capital seria Constantinopla.


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https://meetings.icann.org/en/meetings/icann81/

ICANN81 Annual General Meeting
This six-day Annual General Meeting (AGM) will be focused on showcasing ICANN’s work to a broader global audience, with more time dedicated to capacity building and leadership training sessions. The AGM is also where new members of the ICANN Board of Directors take their seats.
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Santa Sofia (537):
https://en.wikipedia.org/wiki/Hagia_Sophia

Torre Gálata (1348):






terça-feira, 5 de novembro de 2024

Revendo Leis



A tecnologia está exigindo revisitas frequentes à legislação que temos, em busca de desacelerar os abusos, seja com lenitivos aos ofendidos, seja com punições adequadas aos ofensores. Do ponto de vista pouco sofisticado de um engenheiro, há princípios que devem ser resguardados ao máximo, e deve-se evitar o risco de soluções simplistas, apenas porque estão “à mão”. Aliás, do próprio decálogo que o CGI publicou em 2009, lemos: “O combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos”. Em grego, remédio e veneno tem a mesma raiz, “fármaco”. A dosagem definirá se sua ação é positiva ou deletéria. Em português “droga” tem a mesma dualidade.

Se a Internet já nos trouxe complicações de monta nessa área, a coisa tende a piorar sensivelmente com a expansão de Inteligência Artificial. Tanto Internet, como IA e o mundo digital em sua expansão, proveram ao cidadão e às empresas um poder inaudito: o de participar ativamente, seja ao exprimir suas opiniões e posições, seja usando IA para seu apoio e eventuais decisões. Em IA a discussão é mais complexa, pelos riscos muitos vezes ignorados que seu uso pode acarretar. Ela é mais que uma simples “ferramenta” e, ainda assim, seu uso legítimo e correto está mais ligado ao que os usuários fazem, do que a eventuais problemas e viéses que ela pode embutir.

Lemos recentemente, por exemplo, que houve um suicídio de um jovem, ao que se diz causado por desenganos em seu relacionamento com avatar de IA. Quem seria responsabilizável por isso? Aparentemente, tenta-se atribuir ao fornecedor da IA os danos emocionais causados. E esse não é um caso novo: quando Goethe escreveu “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, em 1774, houve uma onda de suicídios na Europa, suscitados pelo próprio fim que Werther pos à sua vida, na impossibilidade de realizar seu amor. Ora, não creio que Goethe tenha sido responsabilizado pelo romance ou, menos ainda, a editora que publicou o livro. Claro que é necessário cuidado nos efeitos que uma obra pode causar, e eles podem ser mitigados estabelecendo adequada orientação de leitura adequada para cada idade. Afinal, como as obras do Marques de Sade exemplificam, há obras bem complexas e polêmicas,

Outro caso recente relata abuso virtual, que também levou ao suicídio de uma adolescente. O criminoso no caso, sem nunca ter encontrado a vítima em pessoa, foi condenado a prisão perpétua na Irlanda. Certamente a forma que ele usou é abjeta, e ele, ao que consta, a repetiu com mais de 3000 adolescentes em diferentes países. Claro que isso só foi possível porque a rede dá essa flexibilidade de acesso. Como minimizar esses riscos? Numa analogia com o mundo real, um adolescente numa biblioteca física podia buscar Dom Casmurro, de Machado de Assis, ou “Os 120 Dias de Sodoma”, de Sade. Se, na biblioteca, pode-se sinalizar as prateleiras, isso fica mais difícil na Internet global. De novo, a diferença entre remédio e veneno é apenas a dose...

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"Os sofrimentos do jovem Werther":

https://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Sofrimentos_do_Jovem_Werther

e, em bela versão operística:
https://www.youtube.com/watch?v=p90HEtK1Bi0

a ária mais conhecida:
https://www.youtube.com/watch?v=UmYSKZpbSHY
https://www.youtube.com/watch?v=PzKhikZ4oVE
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Textos de Barlow:

(John Perry Barlow – The Economy of Mind - "Vendendo vinho sem garrafas"

https://www.eff.org/pages/selling-wine-without-bottles-economy-mind-global-net

https://designmanifestos.org/john-perry-barlow-the-economy-of-ideas/

https://www.repository.law.indiana.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=4076&context=facpub

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O caso do abusador condenado:

https://www.theguardian.com/uk-news/2024/oct/25/alexander-mccartney-northern-ireland-man-jailed-for-life-abusing-children-online

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Opinião: Morte de jovem que se apaixonou por IA expõe lacuna legal

https://www.migalhas.com.br/quentes/418449/opiniao-morte-de-jovem-que-se-apaixonou-por-ia-expoe-lacuna-legal

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