Falou-se nestes dias sobre aspiradores de pó “inteligentes”, que estariam agindo de forma estranha e abusiva. Não apenas recolhendo dados da residência em que operam e enviando-os ao fabricante – o que, de certo modo, era até previsto pelos “termos de uso” que acompanham o equipamento - mas também, após invadidos por terceiros, usarem o altofalante para disparar impropérios e obscenidades… Seria cômico, não fosse preocupante.
De tempos em tempos questões básicas retornam. Há 10 anos, por exemplo, houve um alerta, associado à grande difusão da Internet das Coisas, de que dispositivos caseiros – à época o caso mais difundido era o de câmeras de vigilância domésticas - estariam sendo invadidos por programas maliciosos. Um caso emblemático foi do virus Mirai, que conseguiu montar e controlar um exército de equipamentos “zumbis”.Há diferentes pontos a considerar aí. Quanto à motivação para captura de dados, a explicação mais plausível hoje é a ligada à Inteligância Artificial, e ao fato de que o “aprendizado de máquina” depende viceralmente da aquisição de grande quantidade de dados, principalmente no ambiente em que atuará. Essa, inclusive, é a explicação embutida nos “termos de uso” do fabricante: para um dispositivo automático ser eficiente e confiável, ele deve reconhecer, com a maior acuidade possível, o ambiente em que se encontra, e o modo de ação que dele se espera. Isso exige, por exemplo, que esses dispositivos permaneçam ligados à Internet. Afinal, e pensando bem, por que um aspirador que está operando numa casa precisaria, indefectivelmente, estar ligado à rede para funcionar? Ao menos por enquanto, outros eletrodomésticos convencionais funcionam sem acesso à rede… A primeira ameaça que presiste, portanto, é a de que dados nossos, inadvertidamente, sejam coletados e enviados ao fabricante, à guisa de “aperfeiçoamento dinâmico do sistema”.
A segunda e mais insidiosa possibilidade vem de que, se existe um caminho de acesso remoto, ele poderá ser explorado por mal-intencionados. Claro que descuidar de senhas, fracas ou antigas, facilita a ação de invasores, mas – e é o que se vê no caso - mesmo com cuidados básicos do usuário, eventuais brechas de segurança do fabricante permitiram o acesso indevido. Alguns invasores, como o Mirai, buscavam manter-se invisíveis até porque seu alvo não era o equipamento em si: eles visavam a objetivos mais gerais. Usando os pontos invadidos como base, o exército do Mirai buscava, com ataque de “negação de serviço” (DoS) tirar do ar serviços importantes. E buscava manter-se invisível. Alguns dos invasores atuais, entretanto, ou buscam nossos dados, ou querem mostrar “competência” e haurir a “fama” do feito. Assim, não hesitam em exibir-se, dirigindo impropérios ao pessoal da casa. Se o aspirador tem altofalante e microfone para poder dialogar com o pessoal de casa, nada impede que se usem para um fim menos digno. E onde há uma “porta”, há sempre um risco de intrusão. A hiperconectividade facilita o abuso de nossa privacidade. Fiquemos atentos!
- do Bruce Schneier:
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