segunda-feira, 7 de março de 2016

Cozinhando rãs

Há notícias de que provedores de acesso fixo pretendem incluir “franquia” nesta forma de acesso. É uma discussão importante.

A Internet foi sendo montada com o aluguel de canais de dados às empresas de telecomunicação. O entroncamento de “canos” de diferentes bitolas, que permitissem escoamento do tráfego, é o “backbone”. As teles forneciam dutos vazios e seu preenchimento era feito por integrantes da rede.

Em 1988, não antes de longa batalha burocrática, o Brasil ligou-se a redes acadêmicas, alugando canais internacionais. Em 1 hora passavam até 1,5 megabytes, menos do que uma fotografia! Claro que à época a web não existia. Uma carta, com tamanho médio de mil bytes, levava 2 segundos para chegar: era um limite diário de 40 mil e-mails – e o canal satisfazia (!) as necessidades da comunidade. Contratar mais velocidade seria ter maior desembolso, com o mesmo modelo.

O modelo da telefonia é outro. Entra, na cobrança de conexão, a distancia e a duração do chamado. Por isso, quando em 1994 abriu-se a rede para uso doméstico via conexão telefônica, um “cronômetro” passou a onerar o usuário. Pagava-se pelo canal e pelo tempo. Quem quisesse pagar menos, deveria “telefonar” depois da meia-noite ou em fins de semana, quando o “cronômetro” parava de rodar. Em 2001, surgiram modelos grátis para a internet caseira e, com a entrada da chamada “banda larga”, o modelo voltou ao original, sem “taxímetro”. A restrição sentida era apenas a velocidade contratada, sem pressão do tempo ou restrições ao tamanho do conteúdo. Foi um momento de grande expansão da rede.

A telefonia celular moveu a gangorra outra vez. A Internet móvel é “carregada” pela estrutura celular, o que sugere a volta do modelo de 1994: o que seria cobrado não é mais a velocidade e sim a quantidade de informação trafegada. Os provedores de acesso móvel passaram a oferecer “planos” com franquia. Claro que nesse modelo volta a pressão pelo “rápido e curto”, e ressurgem modelos em que serviços podem pagar a conta, preservando a franquia do usuário. Não muito diferente do 0800 e da “chamada a cobrar”. Mas, para economizar, é melhor usar apenas serviços grátis ou curtos? A experiência da rede deve se reduzir a isso?

Cada modelo tem características e impactos diferentes. O modelo fixo é neutro e permite ao usuário uma participação mais elaborada e uma experiência mais densa. O móvel traz a ubiquidade e o imediatismo, ao lado de superficialidade e aversão a conteúdos longos. De alguma forma, são complementares.

O anúncio de controle de franquia na Internet fixa preocupa, já que sua experiência passaria a ser a mesma da móvel. Alega-se que “contratos da rede fixa já citavam franquia”. Pode ser que naquelas letrinhas pequenas constasse, em alguns contratos, um limite, alto para nunca ser atingido, nem chamar atenção. E se foi “aceito”, agora haverá evoluções e pode-se mexer com esses limites.

Afinal, “a franquia já estava lá”. Lembrou-me a receita de “como cozinhar rãs”: coloca-se a rã na panela de água fria, e ela nada alegre e despreocupada. Lentamente, a temperatura sobe e, quando a rã se dá conta, não há mais o que fazer: será cozida. Parece que a temperatura da água da internet fixa sobe rapidamente. Tá morninho aí?

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https://link.estadao.com.br/blogs/demi-getschko/cozinhando-ras/
07/03/2016 | 07h00
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