terça-feira, 10 de julho de 2018

Conservadores e a Internet

Especialmente em relação à Internet, declaro-me um reformador-conservador. O verdadeiro reformador, em diversos aspectos, age como conservador. Se por “reformar” entender-se “desconstruir”, se o moto é terra-arrasada em relação ao que existe, melhor seria chamá-lo “demolidor”. Um reformador não visa a demolir uma casa mas, sim, melhorá-la, trocando o que está errado e preservando o que está certo. Em relação ao que nos rodeia, defendamos o que tem valor, independentemente do que diz “a moda” do momento, e tentemos mudar o que parece errado. É importante não ver apenas o errado, mas ver também o certo. É o que diz o velho adágio: ao final do banho do bebê, joga-se fora a água suja, mas não a criança.

A aparição da Internet nos anos 80, sua imediata adoção e espetacular disseminação são motivos de otimismo e esperança: uma aposta na humanidade. Na Internet dá-se crédito inicial ao interlocutor, mesmo contrastando múltiplas opiniões. Debatem-se ideias, apesar do non sequitur de tantos argumentos. Todos ficam expostos a tudo, e isso parece bom e adequado. Ou, ao menos, era bom e adequado quando esses “todos” eram os integrantes da comunidade acadêmica reunida na rede. A expansão trouxe bilhões de internautas, a diversidade cresceu muito – pontos positivos. Mas, em consequência, cresceram também as hordas de ofensores e ofendidos, aumentou a facilidade com que se constroem e disseminam mentiras e factoides e se arregimentam partidários em defesa dessa ou daquela ideia. Focos de tensão importantes e hoje muito discutidos.

Seria esse um defeito da Internet? Dizer que isso é culpa da Internet equivale a dizer que o balançar das árvores causa o vento, ou que somos violentos por termos mãos, ou... bem, chega de analogias ruins. Evitemos diagnosticar errado e medicar pior. Ninguém proporia que as pessoas andassem de mãos algemadas, ou que usássemos mordaças para não nos ofendermos mutuamente. O que é uma clara virtude da Internet – dar voz e ouvido a todos – não pode ser, também, um defeito. Eis onde sou radicalmente conservador: quero preservar a abertura e a liberdade que a Internet nos trouxe, sem abdicar da luta para melhorar o que temos. Discussões acaloradas sempre as houve e todos aprendem a se comportar e a se defender. Quando a rede era desconhecida dos legisladores e dos políticos, ninguém propunha “medidas de proteção” aos que nela se aventurassem. Todos devem responder pelos seus atos mas, a priori, a rede deve ser preservada. O “decálogo” do CGI, base do Marco Civil, dispõe: “o combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos”.

O que parece ser um problema da Internet é, de fato, um problema dos humanos. Pela chegada constante de novos ingressantes, que experimentam o inebriamento do espaço aberto e da visibilidade que a rede proporciona, deve-se levar algum (grande...) tempo até que a civilidade se reestabeleça (sou um otimista!). Para isso temos de ser “conservadores”, defendendo o que a Internet nos trouxe, do mesmo modo que valorizamos o longo caminho percorrido para chegar até aqui. É um bonito bebê a preservar.

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https://www.eff.org/cyberspace-independence
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We are creating a world that all may enter without privilege or prejudice accorded by race, economic power, military force, or station of birth.
We are creating a world where anyone, anywhere may express his or her beliefs, no matter how singular, without fear of being coerced into silence or conformity.
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