segunda-feira, 20 de junho de 2022

Em busca de harmonia

Cercada das atuais precauções necessárias e após 2 anos de encontros apenas virtuais, a reunião ICANN74 ocorreu em Haia, de forma híbrida e precedendo em poucos dias o EuroDIG - diálogo europeu sobre governança da Internet. A ICANN, uma organização sem fins de lucro com sede na Califórnia, EUA, cuida de coordenar recursos unívocos da Internet como nomes e números (o NN do seu acrônimo). Compõem a ICANN organizações de suporte como o ccNSO, que agrupa domínios de códigos de país: .br, .de, .cl etc; o gNSO, composto dos chamados “domínios genéricos” como .net, .com, .biz etc; o segmento AtLarge, que visa a dar voz a participantes da rede discutindo as características e evolução desses recursos; e o GAC, comitê composto por representantes de governos. Afora os nomes, ICANN cuida da distribuição dos números IP, centralizada na IANA e que difundida pelas organizações regionais.

Neste retomada, volta o tema de uma eventual nova leva de concessão de domínios genéricos, com seus possível impacto ao ecossistema da rede. Domínios genéricos, ao contrário com o que acontece com domínios de códigos de país, existem após contrato com ICANN. Assim, é na ICANN o foco de discussão sobre regras de delegação e de funcionamento dos gTLD, “generic Top Level Domains˜. Ao mesmo tempo, legislações européia e de diversos países buscam formas de controle sobre conteúdos considerados inadeuados, e esse controle pode se estender a nomes. Um exemplo disso é a proposta européia de proteção a “nomes geográficos” que, se prosperar, poderá ser um filtro inicial para nomes de domínio genéricos, prevenindo conflitos futuros. Pode também criar situações de tensão, dado que um mesmo nome pode ter relevância em mais de uma região/país. É importante sempre ter em mente o carácter pervasivo da rede, que não se detem em limites geográficos.

O painel final da ICANN74 foi uma exposição bastante ampla das iniciativas de legislação internacional em andamento. O que se nota é uma crescente propensão em expandir o alcance da legislação para além do país ou da comunidade em que a lei foi gerada. Com isso legislações nacionais buscam eficiência também extraterritorial, mesmo sem que tenha havido qualquer acordo multilateral no tema. Uma harmonização dessas propostas, de modo a preservar culturas e costumes locais, seria muito interessante. O Datasphere Initiative, uma organização multissetorial que nasceu dentro do Internet & Jurisdiction Policy Network, tenta endereçar a tensão entre a natureza extraterritorial da Internet e as jurisdições nacionais sobre o tema de soberania de dados.

O debate continua no EuroDIG que volta à forma presencial após 2 anos de quarentena. Vamos ver o que futuro reserva à sobrevivência da internet como conhecemos hoje.

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terça-feira, 7 de junho de 2022

Um ponto de inflexão

 O 12.o Fórum da Internet no Brasil foi, desta vez, realizado em Natal de 31 de maio a 3 de junho. Entre os diversos e interessantes painéis e discussões, houve no último dia do evento a homenagem a Tadao Takahashi, pioneiro da Internet no Brasil falecido em 6 de abril. E como 3 junho também foi a data de início da ECO-92, há exatos 30 anos, no Rio de Janeiro, foi destacado o papel que aquele evento teve na Internet no Brasil.

Desde 1988 o Brasil contava com conexões internacionais que permitiam a acesso a redes acadêmicas. Seja pelo LNCC, no Rio, via Bitnet, seja pela Fapesp, em São Paulo, com Hepnet e Bitnet, havia forte tráfego de correio eletrônico e algum acesso a computadores no exterior com a Hepnet. Para dar sobrenome às máquinas das diversas universidades que iam se conectando, o .Br foi conseguido em 18 de abril de 1989, e direcionado às instalações na Fapesp. Com a entrada do Fermilab na ESNet (Energy Sciences Network) nos EUA, começavam as conversas para incluir TCP/IP na conexão. Em 7 de fevereiro de 1991 o acesso à Internet na linha Fapesp-Fermilab foi considerado estável e em condições de ser utilizado no primeiro “backbone” da RNP em fase de montagem, e que foi sendo paulatinamente ativado em 1992. Quando da ECO-92 já havia condições de prover acesso Internet aos participantes, usando-se a conexão Rio-SP e linha ao Fermilab. Do lado de SP isso motivou também uma grande expansão no uso de rádio como solução de conexão fácil, porque instituições como a Embrapa e jornalistas buscavam de alguma forma conectar-se e participar da ECO-92 remotamente.

O que pode parece simples, entretando, tem meandros complexos. Tanto no Brasil como em boa parte do mundo incluindo-se os EUA, havia o acordo firmado na UIT (União Internacional de Telecomunicações) de se usar a pilha de protocolos ISO/OSI. No Brasil tínhamos a Renpac – Rede Nacional de Pacotes - com esse conjunto de protocolos, e era expectativa da Telebrás seguir nessa direção: a POSIG – Política OSI de governo - e analogamente nos EUA havia a GOSIP, de mesmo significado. Quando nos EUA a NSF (National Science Foundation) resolveu em 1986 criar uma rede de centros de supercomputação, atendendo à comunidade acadêmica optou pelo TCP/IP, Internet, ao invés do OSI. Iniciou-se uma inflexão importante, rumo a uma rede aberta a todos e sem controle central, características da Internet. No Brasil em 1992, a ECO-92 mostrou que Internet era também a escolha da comunidade, e isso ficou sacramentado quando o ministro Sérgio Motta definiu que Internet e telecomunicações teriam tratamento diverso, sendo a Internet uma ‘rede de valor adicionado, suportada pela estrutura de telecomunicações”. Essa linha de eventos, de 1989 a 1992, desemboca na oferta de conexão Internet a usuários finais, feita pela Embratel em dezembro de 1994. Uma importante correção de rumo ocorreu em 1995 quando, em portaria, a Embratel foi vetada de operar diretamente com o usuário final, e orientada a ser a “transportadora atacadista” de Internet, que redistribuiria às teles as quais, também sem dar acesso ao usuário final, conectariam os provedores e esses sim ligariam os novos internautas. Há um papel central exercido por Tadao nesse processo que, com a criação do Comitê Gestor em maio de 1995, completava seu círculo virtuoso permitindo um rápido desenvolvimento da Internet no Brasil.

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https://forumdainternet.cgi.br/

Homenagem ao pioneiro de redes no Brasil, Tadao Takahashi, em conjunto com uma reflexão sobre os 30 anos da ECO-92, abrem o último dia do FIB12
https://www.youtube.com/watch?v=z_Hbs4ccBMQ

https://nupef.org.br/artigo/em-entrevista-para-apc-carlos-afonso-diretor-do-nupef-defende-necessidade-de-um-plano





https://www.youtube.com/watch?v=z_Hbs4ccBMQ