terça-feira, 19 de julho de 2022

Pode haver dragões…

Que a Internet, a partir de um modelo inicial totalmente distribuido e neutro, viu crescer uma camada de inimaginável concentração de poder, é hpje algo tácito. E esse poder não se corporifica apenas em termos econômicos, mas engloba riscos crescentes de controle cada vez maior sobre os usuários, seus dados, suas preferências e características. Seguimos algo incautos, como a velha analogia da rã sendo cozida e que, num primeiro momento acha agradável o leve aquecer da água na panela...

Há reações a essa concentração em diversos níveis. No que tange à web, por exemplo, acena-se com uma solução vindoura, talvez utópica, indefinida, ou mesmo arriscada, e que se identifica como Web 3. Para dar algum contexto histórico, menções a uma versão 3.0 surgiram em 2006, com o difusão da idéia de se criar uma “web semântica”, onde a indexação e localização dos textos fosse independente da sua literalidade mas, sim, estivesse ligada à semântica contida. Claramente criá-la demandaria um sistemático e titânico trabalho coletivo, mas que acabaria por ser inutilizado pelas novas habilidades dos buscadores, sem falar dos avanços da Inligência Artificial e sua intelecção de texto. Abandonada a idéia da web semântica, tratou-se de encontrar outros anabolizantes e, juntando-se oportunidade e modismo, o discurso passou a incluir cripto-moedas, NFTs e tecnologias como blockchain.

Visar a fins saudáveis e nobres, como a descentralização da web, ou a defesa do uso de criptografia por todos os que deseja proteger sua privacidade, é absolutamente importante. Dentro da comunidade Internet não há dissidências quanto aos seus méritos. O perigo está nos eventuais meios a se lançar mão. Basta constatar que em boa parte dos textos e vídeos que tratam do tema da web 3.0, há um apêndice, quase canônico, que apela ao “aggiornamento” do consulente: que ele adequadamente revise sua forma de investimentos, que inicie a aquisição de seu “patrimônio digital”, que se atualize com as novas e promissoras ferramentas cripto-digitais que promoverão, sem dúvida, um irrefreável crescimento pessoal...

Certamente um nobre fim não justifica o uso de quaisquer meios para atingí-lo e, pior ainda, sem que se tenha clara noção se, de fato, os meios propalados levarão ao fim colimado, e quais os efeitos colaterais do novo ferramental de que se pretende lançar mão. O risco das tais “boas-intenções” que, ao que diz a sabedoria popular, pavimentam o caminho do inferno… Nos velhos mapas geográficos, quanto se cruzava a fronteira de áreas conhecidas para as ignotas, havia desenhos de dragões, serpentes e outros monstros alertando para os perigos do desconhecido… Alerta! Pode haver dragões aí em frente…

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Artigos de Jorge Stolfi sobre "blockchain" e "bitcoins":

https://english.elpais.com/science-tech/2022-07-07/jorge-stolfi-technologically-bitcoin-and-blockchain-technology-is-garbage.html

https://ic.unicamp.br/~stolfi/bitcoin/2020-12-31-bitcoin-ponzi.html

https://livecoins.com.br/cvm-de-um-fim-ao-grande-esquema-ponzi-das-criptomoedas/

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Wikipedia: https://en.wikipedia.org/wiki/Here_be_dragons
"Here be dragons" (Latin: hic sunt dracones) means dangerous or unexplored territories, in imitation of a medieval practice of putting illustrations of dragons, sea monsters and other mythological creatures on uncharted areas of maps where potential dangers were thought to exist."





 

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