terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Ação e inação

Coloca-se mundialmente o debate sobre como tratar danos causados ao estamento social pelas ferramentas de comunicação cada vez mais presentes e influentes. O Brasil, podemos dizer, está acima da média mundial em termos de organização para enfrentar isso de forma racional e participativa. Tanto em governança da Internet, como em legislação existente, há etapas importantes. A começar pela criação em 1995 do CGI, Comitê Gestor da Internet no Brasil, o seu decálogo emitido em 2009, “Princípios para a Governança e Uso da Internet no Brasil”, e desembocando no Marco Civil, assinado em 2014 na abertura da NetMundial, que gerou documentos de consenso.


A discussão sobre os efeitos das chamadas “plataformas” no tecido social muitas vezes tende, ao buscar uma revisão, a extrapolar ou enviesar conceitos presentes no decálogo e no Marco Civil. Emblemática e recorrente é menção ao artigo 19 do Marco Civil: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”, que funda-se no item 7 da decálogo: “O combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos”.

Antes de revisitar esses princípios, e buscando preservar direitos e liberdade, uma definição concertada faz-se necessária, afinal, “a fronteira da linguagem se confunde com a fronteira do pensamento possível”. De que definições carecemos aqui? Inicialmente estabelecer claramente a de “intermediário”. Ninguém pensaria em reponsabilizar o carteiro por uma carta ofensiva ou falsa, ou a companhia telefônica por uma conversa maleducada. O intermediário clássico é imune ao conteúdo que transporta: “não mate o mensageiro”. Aliás a legislação veda que esse tipo de mensageiro bisbilhote o que entrega, tanto correio como telefonia.

Onde “a porca torce o rabo”, entretanto, é ao examinamos outros atores do ambiente. Além do fato de deterem um poder de mercado impressionante, muitos agem por iniciativa própria. O ponto que merece mais exame são algoritmos que decidem nos enviar conteúdos que não solicitamos e que, na busca do mais efetivo retorno, recolhem dados e comportamentos, classificando-nos como candidatos a receber determinados conteúdos. Certamente isso vai muito além da ação de um intermediário clássico, que estaria blindado quanto ao conteúdo que tranporta: agora há uma “decisão” de expandir o alcance de um conteúdo, não originada do remetente original mas no que o algoritmo achou mais conveniente.

Antes de pedirmos que alguém, de alguma forma, filtre o que recebemos, parece mais sensato garantir que recebemos aquilo que pretendíamos receber, de remetentes com os quais nos correspondemos e dos grupos de discussão de que participamos. É claro que cada um seguirá responsável pelo que envia.

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https://www.estadao.com.br/link/demi-getschko/ao-usar-algoritmos-plataformas-nao-estao-mais-isentas-dos-conteudos-que-abrigam/

Marco Civil:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2014/lei-12965-23-abril-2014-778630-publicacaooriginal-143980-pl.html

Decálogo do CGI:
https://principios.cgi.br/sobre

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Eugênio Bucci: "Existe democracia sem verdade factual?)
https://repositorio.usp.br/item/002983854

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Lema do Correio Norte-Americano, derivado de uma frase de Heródoto
https://en.wikipedia.org/wiki/United_States_Postal_Service_creed







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