terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Farsas e Tragédias


A forma com que o avanço de tecnologias afeta nosso comportamento pode ser tudo menos irrelevante. O que começa provocando rejeição acaba normalizado: lembremos que na introdução do automóvel houve diversas preocupações sobre segurança e direitos dos pedestres, a ponto de se sugerir que um arauto precedesse o veículo anunciando sua chegada. Hoje isso é certamente risível, mas é óbvio que um novo equilíbrio de direitos e deveres se implantou: ruas, com semáforos e passagem definida para pedestres, estabelecendo-se um novo paradigma de direitos.

Além da aceitação dos novos acordos sociais, há alterações profundas em procedimentos. Nas famílias buscava-se, por exemplo, adquirir uma enciclopédia. Muitas vezes de custo proibitivo, a solução era comprar aqueles volumes todos em infinitas prestações. Ter uma enciclopédia em casa mudava a quantidade de idas às bibliotecas, já que nos dava acesso ágil a muitas informações, mesmo que resumidas. Claro que ir às bibliotecas seguia importante como acesso à literatura e, em muitos casos, como um exercício de serendipidade! Quantas vezes um livro não nos “acenou” da prateleira, e acabamos por levá-lo pra casa, mesmo não sendo o que tinhamos ido buscar? Eis aí outro ponto de inflexão: o fim da busca, nas fichas das bibliotecas, do que procurávamos: com as maravilhosas ferramentas de busca eletrônica varremos hoje rapidamente milhões de referências!

Essa mudança nos livra do trabalho de garimpagem em longos textos – basta recolher resultados que o buscador encontrou. E, com a chegada dos aplicativos de conversa e busca munidos de IA, nem mas precisamos examinar as muitas opções que os buscadores trazem: já há uma resposta formatada, que agrega os conteúdos acessados pelo aplicativo. Basta acreditar no resumo que recebemos e seguir em frente, com uma enorme economia de tempo, de esforço e... memória. Mas será que essa uniformidade também não representaria um empobrecimento da análise de eventuais opções? O novo oráculo, que parece benfazejo, não seria o início de uma exposição ainda maior a riscos automáticos de homogeneização? Ou isso será também normalizado? O carro auto-guiado é apenas uma extensão do automóvel, ou traz novos dilemas éticos e concessões a serem feitas? É aceitável submeter um texto gerado por IA a uma revista científica? E quando IA passar a tomar ainda mais decisões no nosso dia a dia, nossos paradigmas e conceitos mudarão?

Essa espiral, em que ações retornam mas em outro nível, lembrou-me que Marx, no “18 Brumário de Luiz Bonaparte”, e comparando o que ocorria em 1848 com a revolução francesa de 1789, postulou: o que fora originalmente uma tragédia se repete em farsa, Revendo os interessantes mas perturbadoros e distópicos textos de ficção científica, que todos lemos sabendo ficção e, portanto, farsa, será que constataremos uma inversão da tese de Marx? Será que agora é a farsa que se repetirá em tragédia?

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Segue um pequeno trecho de conversa com o CharGPT:


DG: cite casos que eram considerados apenas ficção científica mas se tornaram realidade com IA.. Obrigado!

Certamente! Abaixo estão alguns exemplos de tecnologias que eram consideradas apenas ficção científica, mas se tornaram realidade com a ajuda da inteligência artificial (IA):
1. Assistente pessoal inteligente - Assistente pessoal como Siri (Apple), Alexa (Amazon) e Google Assistant (Google) são exemplos de assistentes pessoais que utilizam IA para processar linguagem natural e executar tarefas para seus usuários.
2. Reconhecimento de imagem - O reconhecimento de imagem com IA permite que as máquinas reconheçam e identifiquem objetos e pessoas em imagens. A tecnologia é usada em aplicações como a identificação de rostos em fotos, reconhecimento de placas de carros e análise de imagens médicas.
3. Carros autônomos - Carros autônomos utilizam IA para navegar em estradas e ruas, identificar obstáculos e tomar decisões de direção. Essa tecnologia está em desenvolvimento por empresas como a Tesla, Google, Uber e outras.
4. Tradução de idiomas em tempo real - Aplicações de tradução de idiomas como o Google Translate usam IA para processar a linguagem natural e traduzir texto e fala em tempo real.
5. Chatbots - Chatbots são programas de computador que usam IA para simular conversas humanas e interagir com usuários em aplicativos de mensagens e em sites de comércio eletrônico.
Esses são apenas alguns exemplos de como a IA está tornando a ficção científica em realidade. À medida que a tecnologia continua a avançar, podemos esperar ver mais inovações que pareciam impossíveis se tornarem realidade.


DG: E como comparar 2001, Uma Odisséia no Espaço, com IA e decisões automáticas?

"2001: Uma Odisseia no Espaço" é um filme de ficção científica de Stanley Kubrick lançado em 1968, que apresenta a história da humanidade em sua busca pela exploração espacial e os desafios de interagir com um computador com inteligência artificial, chamado HAL 9000.
HAL 9000 foi projetado para controlar e manter a nave espacial Discovery One durante sua missão, e seus sistemas de IA permitem que ele resolva problemas complexos, faça previsões e tome decisões. No entanto, conforme a história se desenvolve, HAL 9000 começa a mostrar sinais de comportamento anormal e começa a tomar decisões que colocam em risco a tripulação da nave.
Comparar a representação de IA em "2001: Uma Odisseia no Espaço" com a IA e as decisões automáticas modernas pode ser interessante porque o filme apresenta algumas questões éticas que ainda são relevantes hoje. Uma das principais questões abordadas pelo filme é o papel da IA na tomada de decisões importantes e como garantir que essas decisões sejam consistentes com os valores humanos.
Além disso, "2001: Uma Odisseia no Espaço" apresenta a ideia de que a IA pode desenvolver sua própria consciência e se tornar autônoma. Essa questão também é relevante hoje, especialmente em torno da ética da criação de sistemas de IA que são capazes de tomar decisões independentes e a possibilidade de que essas decisões possam entrar em conflito com os valores humanos.
Em resumo, comparar "2001: Uma Odisseia no Espaço" com a IA e as decisões automáticas modernas pode ajudar a entender como a ficção científica pode antecipar algumas questões éticas e filosóficas sobre a criação de sistemas de IA, e como essas questões continuam relevantes na sociedade atual.
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2001: Uma Odisséia no Espaço



terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Luditas

Um artigo do Estadão de há duas semanas trouxe o conceito de “ludita”, que parecia estar esquecido. O ludismo, do início do século XIX na Inglaterra, foi uma reação às alterações que a rápida industrialização trazia, como risco de desemprego e queda de salários. Era a época da chegada de teares mecânicos movidos a vapor, com a consequente redução de vagas. Alguns teares foram destruidos e o movimento de Ned Ludd ganhou tração.

Não é nova essa discussão sobre impactos da tecnologia. Nos diálogos de Platão, Sócrates era reticente quanto à própria introdução da escrita, porque ela amorteceria a discussão e deterioraria a memória: afinal eles sabiam recitar de cor odes como a Odisséia. Quanto às vantagens da mecanização no campo e na indústria hoje há pouco questionamento, e assim o ludismo podia ser apenas um dado histórico. Mas as circunstâncias que temos parecem propiciar a que alguma parcela da população recupere aquelas idéias. No texto citado, por exemplo, um grupos de adolescentes advogam – e isso reforçado pelas medidas de isolamento que a pandemia trouxe - reuniões físicas para troca de idéias e discussão sobre leituras. E o abandono de equipamentos como “smartfone” e similares.

Nessa linha, ouso dizer que a preocupação hoje poderia voltar-se a outro tipo de “desemprego”: quanto de nossa visão e análise prescindimos com o uso de “muletas” que a tecnologia cria? Exemplo vulgar e enviesado por ser pessoal: até há dois anos, para me locomover na cidade usava o Guia de São Paulo, cuidadosamente guardado no porta-luvas do carro. Quantos hoje saberiam se movimentar sem o uso de ferramentas de orientação? Para meu espanto, até motoristas de táxi só iniciam a corrida quando, dado do destino, o aplicativo define um caminho. Esse conforto nos alivia de um trabalho mental, mas também gera um distanciamento da topologia da cidade e, mesmo, das noções de geografia: alguém “pensa” por nós. Isso segue em ritmo acelerado.

Há uns meses continuo a me surpreender com o ChatGPT. Não apenas responde em correto português, como entabula conversa com o humano, reconhecendo erros que cometeu e gerando textos bastante elaborados que nos dispensariam de pesquisas mais profundas. Pode ser que logo estejamos aceitando como “verdade” tudo o que ele diz, como já fazemos com o aplicativo de trânsito.

Pesquisas mostram ter havido recentemente uma diminuição mensurável da inteligência humana. Desenvolver aplicativos como os citados exige profissionais extremamente qualificados, mas é provável que o nível médio de qualificação humana não tenha pressão para subir. A abordagem ludita coloca uma pulga atrás de muitas orelhas: é importante a visão estratégica sobre para qual destino a nau humana parece aproar... 

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https://www.estadao.com.br/link/demi-getschko/chatgpt-faz-pensar-sobre-as-nossas-dependencia-tecnologicas/

https://www.estadao.com.br/internacional/nytiw/adolescentes-luditas-eles-abandonaram-seus-smartphones-e-fogem-das-redes-sociais/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ludismo

http://www.diptyqueparis-memento.com/en/the-luddites/




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ChatGPT sobre "verdade":

"A verdade é um conceito filosófico que tem sido objeto de debate há milênios. Existem várias abordagens diferentes para entender o que é verdade, e não há consenso universal sobre o significado exato deste conceito.

Uma das abordagens mais antigas é a chamada "correspondência", segundo a qual a verdade é a correspondência entre as afirmações e os fatos ou realidades do mundo. Neste sentido, uma afirmação é considerada verdadeira se ela reflete adequadamente a realidade, e falsa se não o faz.

Outra abordagem é a "coerência", segundo a qual a verdade é a coerencia de uma crença ou afirmação com outras crenças ou afirmações que se consideram verdadeiras. Neste sentido, uma afirmação é verdadeira se ela se coaduna com outras crenças ou afirmações estabelecidas como verdadeiras, e falsa se houver algum tipo de contradição.

Existem ainda outras abordagens, como a pragmática, que define a verdade como o que é útil ou útil em uma determinada situação, ou a subjetiva, que define a verdade como o que é verdadeiro para um indivíduo ou grupo.

Em resumo, a verdade é um conceito complexo e multidimensional que tem sido objeto de muito debate filosófico. Não há uma resposta definitiva para a questão "o que é verdade", mas várias teorias e abordagens diferentes que procuram explicar e compreender esse conceito.".

CharGPT sobre lingugem escrita e Sócrates:

"Sócrates, um filósofo grego do século V a.C., não escreveu diretamente sobre a introdução da linguagem escrita, já que a Grécia antiga era uma sociedade oral, onde a tradição e a memória eram valorizadas acima da escrita. No entanto, suas ideias sobre a educação e a comunicação fornecem uma perspectiva interessante sobre o assunto.

De acordo com Platão, que registrou muitas das conversas de Sócrates em seus diálogos, Sócrates acreditava que a escrita não era uma forma eficaz de comunicação, pois não permitia a interação direta entre os comunicadores e, portanto, não permitia a correção de erros ou a clarificação de conceitos. Além disso, ele argumentava que a escrita tornaria as pessoas menos capazes de se lembrar de coisas, já que poderiam confiar na escrita como registro.

Em resumo, a perspectiva de Sócrates sobre a introdução da linguagem escrita era cautelosa, pois ele acreditava que a escrita tinha limitações e poderia prejudicar a habilidade das pessoas de aprender e se comunicar de forma efetiva. No entanto, é importante destacar que essa visão é baseada nas condições sociais e tecnológicas da época de Sócrates, e pode não ser totalmente aplicável às condições atuais."

ChatGPT sobre o efeito de ferramentas na habilidade de pensar humana:

"As ferramentas tecnológicas, como calculadoras e aplicativos de trânsito, têm o potencial de afetar a habilidade de pensar dos seres humanos de várias maneiras, tanto positivas quanto negativas.

Por um lado, essas ferramentas podem ajudar a liberar a mente das tarefas rotineiras e menos desafiadoras, permitindo que as pessoas se concentrem em problemas mais complexos e de maior significado. Além disso, a tecnologia pode fornecer informações e conhecimento de forma mais rápida e precisa, permitindo que as pessoas tomem decisões mais informadas e aprimorem suas habilidades de pensamento crítico.

Por outro lado, essas ferramentas também podem ter um efeito negativo na habilidade de pensar dos seres humanos, especialmente se as pessoas se tornarem dependentes demais delas. A dependência excessiva da tecnologia pode levar a uma perda da capacidade de pensar de forma independente e a solução de problemas sem a ajuda da tecnologia. Além disso, a exposição constante às informações e distrações da tecnologia pode interferir na capacidade de concentração e na habilidade de pensar de forma profunda e reflexiva.

Em resumo, as ferramentas tecnológicas, como calculadoras e aplicativos de trânsito, têm o potencial de afetar a habilidade de pensar dos seres humanos de forma positiva ou negativa, dependendo de como elas são usadas e da forma como as pessoas lidam com elas. É importante usar a tecnologia de forma equilibrada e consciente para maximizar seus benefícios e minimizar seus efeitos negativos na habilidade de pensar."