terça-feira, 9 de setembro de 2025

Gurizada tardia

Proteger as crianças de riscos decorrentes de sua exposição à Internet foi o tema principal nos últimos dias. Sob o neologismo “adultização de crianças” discutem-se que medidas sensatas e tecnicamente viáveis evitariam os riscos inerentes a um ambiente tão diverso (e, para crianças, inóspito) como a Internet.

Há um contraponto, não menos preocupante… Cada vez mais adultos terceirizam a solução de seus problemas e repassam suas angústias, não como dantes, a amigos e colegas, mas a desconhecidos na rede e… a ferramentas de IA, cada vez mais presentes e poderosas. Como era de se esperar há, não raro, efeitos colaterais ruins. É comum notícias sobre indivíduos que deterioraram a saúde ao seguir conselhos que receberam da IA. E há e os que desenvolveram quadros psicóticos ou tiveram perdas financeiras pelo mesmo tipo de interação. Não é um dano exclusivo da IA, visto que o mesmo efeito deletério poderia ser obtido em conversas com amigos e aconselhadores, mas é especialmente importante ter cautela com conselhos, receitas e suporte gerado pelo interlocutor artificial.

Não se trata de olhar para a IA como algo ruim ou apocalíptico, porque é indubitável que aporta facilidades e recursos que antes nos custariam muito tempo de pesquisa e consulta. Mas não podemos abdicar dos riscos e reponsabilidades que assumimos ao tomar uma decisão, nem do nosso senso crítico. Se tropeçarmos ao andar num pátio, podemos torcer o pé, mas se tropeçamos na beira de um abismo e nele despencarmos, a culpa não seria da pedra que nos causou o tropicão.

De alguma forma, o que acontece hoje com parte dos adultos é a contraparte do que nos preocupa com as crianças: uma espécie de “infantilização” dos crescidos. Estamos desenvolvendo uma “casca” muito fina e frágil, e nos sentimos ofendidos e magoados por observações e comentários que seriam perfeitamente assimiláveis há poucos anos. Talvez seja uma constante busca de tutela e proteção, ou de ter um álibi para os erros que cometemos. Fiquei ruim de saúde? Ah, foi a IA que consultei e me deu más sugestões… Estou com os nervos em frangalhos? A culpa é que a IA não entendeu meus problemas e acabou por acirrá-los. Apliquei mal as finanças? Claro que a culpa foi do orientador digital, que indicou o fundo errado. E assim seguimos, não assumindo como erradas, escolhas que, afinal, são nossas. buscando aliviar nossa consciência. Se filosofarmos com um martelo, como no livro de Nietzsche, e acertarmos nossos dedos com ele, certamente o martelo não será o culpado. Um estranho e novo equilíbrio parece se apresentar: crianças atuando (indevidamente) como adultos, e adultos buscando tutela que os proteja das proprias decisões, ou assumindo o comportamento de “rebanho”. Como em Zaratustra, o indivíduo sempre teve de lutar para manter sua individualidade,

Consultar aconselhadores humanos ou digitais é uma ótima pedida, mas acreditar automaticamente no que vem deles é faltar senso crítico, apanágio da idade adulta. Quem não julga o que escuta permanece agindo como criança.

Sobre o valor de duvidar, há outra frase de Nietzsche: “não é a dúvida que nos deixa loucos, mas a certeza”.

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https://pt.wikipedia.org/wiki/Assim_Falou_Zaratustra
https://pt.wikipedia.org/wiki/Crep%C3%BAsculo_dos_%C3%8Ddolos

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