terça-feira, 16 de agosto de 2022

Democracia e Especialidades

No complicado entrelaçamento em que vivemos hoje há agentes os mais diversos, desde a comunicação ampliada que a expansão do acesso à Internet permitiu, a tecnologia com a evolução vertiginosa da Inteligência Artificial, e impactos sociais importantes que esta mescla de tecnologias e ideias traz, tanto a direitos ameaçados como o da privacidade, quanto ao modo de convívio. Torna-se importante olhar este cenário sob os diversos viéses, para que se possam identificar reais ou potenciais riscos.

Num cenário muito real, a quantidade imensa de dados e opiniões pessoais que existe disponível na internet alimentará gigantescas bases de dados. Desde a famosa e ácida tirada de Umberto Eco – que em nada embaça a importância de expandir a Internet - estabeleceu-se como fato consumado que a inclusão de todos às plataformas de interação traria uma inevitável cacofonia e, pior, traria novas formas de controle sobre o pensamento geral, e especialmente sua modelagem a partir das redes. O busílis da questão aqui éque, com a existente sinergia com outras poderosas ferramentas tecnológicas, esse efeito colateral pode ser potencializado, gerando danos reais concretos.

As tais imensas bases de dados apenas são tratáveis via computação específica, que pode ser ligada à inteligência artificial. E, se como já ocorre hoje com os interlocutores virtuais, eles passarem a ser também nossos parceiros nas discussões sobre qualquer tema, uma pergunta ingênua de alguém poderá receber uma resposta automática que reflita o que foi levantado na média de opiniões. Ora, muitos avanços importantes sempre trouxeram contestações à visão média da época. O peso de uma opinião técnica, sólida e fundamentada cientificamente, não pode se perder numa sopa de outras, em maior número mas pessoais, ou mimetizando “influenciadores”. Não se trata de negar a valiosa sabedoria popular, mas evitar que a “verdade” seja algo majoritariamente definido: certamente Galileu não contava com a maioria das opiniões populares ao seu lado quando anunciou que a Terra se movia ao redor do Sol. Teremos, portanto, um risco inerente se, ao lutarmos pela democratização da informação para todos, acabamos por promover uma falsa “democracia de especialidades”, onde todos falaremos sobre tudo e com o mesmo peso, cristalizando visões da maioria.

Como contraponto, sempre haverá situações em que a sabedoria popular segue rainha. Por exemplo, quanto ao que seja “belo”, há um epigrama famoso de John Keats, que é o fecho de ouro de seu poema Ode a uma Urna Grega, 1819. Descrevendo a beleza estética imortal da tal urna, que sobreviverá aos homens e às épocas, encerra com: “Verdade é beleza, beleza é verdade. Isso é tudo o que sabemos no mundo, e tudo o que precisamos saber”.

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https://thenextweb.com/news/beginners-guide-ai-apocalypse-the-democratization-of-expertise

https://www.poetryfoundation.org/poems/44477/ode-on-a-grecian-urn
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When old age shall this generation waste,
Thou shalt remain, in midst of other woe
Than ours, a friend to man, to whom thou say'st,
     "Beauty is truth, truth beauty,—that is all
     Ye know on earth, and all ye need to know."


https://gavetadoivo.files.wordpress.com/2014/05/c3a9nfora-grega-helenc2a1stica.jpg






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