Não se sabe muito sobre Esopo, que teria vivido no século VI a.C: segundo a tradição, foi escravo e conquistou sua liberdade graças à sua invulgar inteligência e sabedoria. Suas fábulas atravessaram os séculos e continuam servindo como apóstrofe e advertência para muitas situações contemporâneas. Uma delas, a do menino que gritava “lobo!”, me veio à mente enquanto testava o que se consegue hoje com as diversas ferramentas de IA disponíveis.
Na citada fábula, um pastorzinho querendo se divertir com a reação dos aldeões, grita “lobo!” enquanto apascenta suas ovelhas. Claro que todos saem em socorro do pastor, mas revela-se que eram “fake news” – não havia lobo. Satisfeito com o resultado, passados alguns dias o pastorzinho renova a pegadinha: “lobo!”. De novo o pessoal acorre e, de novo, não há lobo nenhum. Mais algum tempo se passa e, de repente, um lobo real e poderoso aparece. O pastor, desesperado, clama “lobo!” mas, desta vez, os aldeões, vacinados pelas mentiras anteriores, não comparecem. O resultado é que o lobo devora o rebanho.A analogia que me veio à mente é com as ondas de inteligência artificial, seus ciclos de promessas, frustrações e renascimentos. Por repetição ou exagero de propaganda, IA acabava por ser desacreditada até que, enfim, o “lobo” apareceu.
A primeira onda da IA, nascida no entusiasmo das décadas de 1950 e 60 quando a computação já amadurecia, prometeu máquinas pensantes, lógicas, capazes de simular o raciocínio humano. Foi a época do Eliza (1966) e outros sistemas interativos, mas que frustraram as expectativas, mostraram-se simplórios e distantes da promessa. O resultado foi o primeiro “inverno da IA”, com o fim de investimentos na área…
Após o primeiro “inverno”, veio a segunda onda, 1980 e 90, com uso intenso de estatística, e a proposta de redes neuronais. Foi marcada pelo aumento na capacidade de processamento, com avanços notáveis em reconhecimento de padrões e em tarefas específicas, mas IA em si ainda parecia mais propaganda do que uma transformação estrutural em curso. Em 1997, o “Deep Blue” da IBM, usando computação de “força bruta” e sem aprendizado, derrotou Kasparov: a máquina ameaçava o homem, mas o público desacreditava de sistemas que aprendessem. Ainda não era o “lobo”. Seguiu-se outro “inverno” de IA.
A terceira onda vem em 2010 com aprendizado profundo de máquina, sistemas generativos criando textos e imagens sintéticas com muita verossimilhança, a “Era da Experiência”. Além de sistemas que digerem o que há no mundo e agem de forma autônoma, agora eles otimizam estratégias e propõem suas próprias perguntas. Em breve IA estará implantando soluções que não passaram pelo crivo humano. O “lobo” agora é real e está no meio de nós, silencioso e efetivo. O risco não está em reagir demais — está em não reagir mais.
Outro sinal dos tempos são os bonecos que simulam crianças: os tais “reborn”. Há os que se apegam a eles intensamente, a ponto de superar seu vínculo com humanos. Será o “lobo da IA” um “reborn” que vai substituir nossas conversas com amigos e nossos relacionamentos emocionais? Alerta!
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A fábula:
https://www.fabulasdeesopo.com.br/p/o-menino-do-pastor-e-o-lobo.html
os invernos da IA:
https://www.institutodeengenharia.org.br/site/2018/10/29/a-historia-da-inteligencia-artificial/
algumas previsões preocupantes:
https://ai-2027.com/
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