Há poucos dias passou na Câmara dos Deputados o PL 2628 que visa à proteção de crianças e adolescentes. É importante termos leis adicionais, que estabeleçam cuidado ainda mais efetivo que o já garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e, especialmente, que gerem formas de combate e punião aos que disseminam crimes desse jaez, sejam indivíduos, operadores de algoritmos ou plataformas, Mas (… e sempre há um “mas” aqui), essas medidas têm que levar em conta características do meio digital, da Internet ubíqua e neutra, para não se criem novos problemas enquanto se combatem os existentes.
Por exemplo, a proposta de que qualquer serviço na rede verifique a idade de seus usuários, gera um enorme risco de privacidade. Não duvido que surgirão “serviços” cujo objetivo único será colecionar nossos dados, e não haverá LGPD que dê conta. Na Inglaterra hoje, onde há uma resolução equivalente, viu-se maciça migração de usuários que, por não aceitarem repassar seus dados pessoais, voltaranm-se ao uso de navegadores que garantam a privacidade, como Tor, e serviços de VPN. O louvável propósito da normativa está muito longe de ser atingido.Outro risco de “o tiro sair pela culatra" é que, se implementada a verificação de usuários proposta no PL2628, apenas grandes plataformas conseguam (fácil… e alegremente) atendê-la . Pequenos e médios serviços podem acabar bloqueados, e estaremos cada vez mais longe da neutralidade e da distribuição, rumo a algo que parecerá um aleijão de Internet, contendo pouca variedade de serviços concentrados.
É crucial ampliar o diálogo com a comunidade técnica para encontrar formas efetivas de proteger nossas crianças e adolescentes. Algo que pode ser aventado seria, agindo diretamente nos provedores de acesso, impedir, de acordo com a faixa etária, o acesso à rede. Ou, ainda, filtrar tecnicamente para que apenas endereços adequados a crianças sejam acessíveis. Ao invés de bloquearmos tudo o que possa ser nocivo, é mais sensato e factível separar um subconjunto liberado por idade, em listas que podem ser mantidas adequadamente atualizadas.
No que tange ao conceito de Internet em si e às funções de seus diversos componentes, o PL desvia-se da realidade. Querer incluir servidores de DNS e, até, pontos de tróca de tráfego no foco de ações do projeto, indica uma pobre compreensão técnica da realidade. Numa analogia simples, seria fácil e razoável impedir que locadoras de veículos aluguem carros a menores, mas querer que rodovias ou cruzamentos detectem que há um carro dirigido por menor e impeçam sua passagem, tende à alucinação.
Este diálogo, incluindo a visão técnica da Internet, deve ser estimulado. A melhor solução continua sendo investir-se em letramento digital, especialmente voltado a professores, pais e filhos. Há bons exemplos, como a norma que limita o uso indiscriminado de celulares em salas de aula. Combater um mal exige, além de esforço concentrado, escapar dos miasmas do próprio mal. “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não se tornar também um monstro”, adverte Nietzsche em “Acima do Bem e do Mal”.
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"O desafio do marco digital para crianças"
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