segunda-feira, 11 de julho de 2016

Internet e jabuticabas

O grande Nelson Rodrigues definiu como “complexo de vira-lata” a tendência de nós, brasileiros, nos sentirmos inferiores quando comparados ao “mundo desenvolvido”. Adicione-se a isso a classificação pejorativa de “jabuticaba” das coisas que existiriam apenas no Brasil e, assim, por extensão, seriam automaticamente criticáveis. Cá entre nós, jabuticaba é uma fruta deliciosa.


Um caso em que o “complexo de vira-lata” não se aplica é na forma como o País tratou da Internet desde seu aparecimento por aqui. Desde 1995, com a publicação da Norma 4 do Ministério das Comunicações e ano da criação do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), a governança da Internet no Brasil tem uma estrutura multissetorial para orientar (não fiscalizar...) sua expansão e desenvolvimento.

O CGI.br é uma suculenta jabuticaba, tanto que seu modelo passou a ser copiado por outros países e a ser citado como paradigma de gestão correta e eficiente da Internet, sem criação de cartórios e burocracia desnecessária.

O NetMundial, realizado em 2014, em cuja abertura o Marco Civil foi assinado, deixou patente o reconhecimento internacional da linha que o Brasil segue desde 1995. Não à toa o Marco Civil foi considerada a melhor lei para a rede e, para citar poucos exemplos, a França e a Itália emitiram legislações na linha do Marco Civil, o Líbano e a Costa Rica criaram comitês gestores nos moldes do brasileiro. A trilha aberta em 1995, iluminada em 2009 com a aprovação e divulgação do “decálogo” do CGI.br – e consolidada em 2014 com o Marco Civil – é merecedora das loas internacionais que recebe. Exportamos nossa jabuticaba!

Isso não impede, contudo, que de tempos em tempos haja tentativas de enquadramento da Internet nas molduras tradicionais que ela sistematicamente supera. Discute-se a eventual necessidade de sua regulação, nos moldes do que ocorre com telecomunicações.

Um provedor de Internet que use canais de rádio pode precisar de licença para usar espectro público. Para isso existe a licença de SCM (Serviço de Comunicação Multimídia) da Anatel. Mas dar acesso à rede usando a infraestrutura existente, ou criar conteúdos e aplicações, prescindem de autorização e foi essa característica que permitiu a expansão da Internet no ritmo que vimos. O Marco Civil coroa esse processo ao protegê-la de tentativas de regulação excessiva. Afinal, ela é um ambiente transnacional e, se tentarmos criar uma legislação brasileira específica e restritiva estaremos, aí sim, com uma jabuticaba, das mais azedas, na mão.

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https://link.estadao.com.br/noticias/geral,internet-e-jabuticabas,10000062135

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https://en.wikipedia.org/wiki/Jabuticaba
 



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