Volta à cena a idéia da fragmentação da Internet, ou “splinternet”. Diversos países adotaram barreiras técnicas, políticas ou jurídicas ao fluxo global de informações. frequentemente justificadas com o argumento de que uma internet global representaria uma ameaça à soberania nacional. Depois da falsa dicotomia entre privacidade e segurança, temos outro pseudo dilema agora: optar entre uma internet única ou a soberania.
É importante voltar às bases, sem ignorar que há, sim, riscos associados à concentração de poder, que cada vez mais se observa na rede. A internet, em sua natureza técnica, foi concebida como um sistema único, colaborativo e interconectado. A ausência de fronteiras técnicas não implica em ausência de governança, mas, sim, na necessidade de mecanismos coordenados, multissetoriais e internacionais que, ao preservar sua integridade técnica, resguardem as prerrogativas regulatórias de cada país.Numa analogia adequada aos tempos de COP30, o ar que respiramos não ameaça a soberania, tampouco o clima global, ou o oceano. mas todos eles pedem e necessitam de ação coordenada. Isoladamente nenhum Estado seria capaz disso. A ubiquidade técnica da rede não é um ataque à soberania, mas uma bela característica do mundo digital, a preservar!
Como disse há mais de 30 anos John Gilmore, fundador da EFF (Electronic Frontier Foundation), quanto ao espírito da arquitetura da rede, “a internet interpreta bloqueio como um dano técnico, e o contorna.”
Outra analogia vem à mente: comparar a Internet com a Biblioteca de Babel, de Borges. À maneira dela, a Internet nos forneceria acesso a infinitos conteúdos, muitos deles incompreensíveis ou difíceis de verificar, mas cristalizando a esperança e o desespero de quem busca sentido no aleatório. Afinal, quanto mais vasta a informação disponível, mais difícil é encontrar a sabedoria entranhada. A própria possibilidade da busca já vale o esforço.
Que as pessoas leiam mais. Que tenham acesso a bibliotecas coreanas, romances quenianos, poemas persas, contos brasileiros, A produção cultural universal precisa atravessar fronteiras como o ar vital que respiramos, sem passaporte e sem carimbo. O risco maior da fragmentação não é técnico - é cultural e humano. Ao preservarmos um meio de acesso aberto e global ao conhecimento científicas, cultural e artísticas de todos os países não diluiremos as identidades nacionais: as fortaleceremos. Quem lê o mundo torna-se mais capaz de compreender a si mesmo. Ler para compreender mas, também, ler para discordar.
Quem sabe ainda poderemos realizar o sonho utópico de Alexandria: uma humanidade que acessa a totalidade da sua produção, de romances mongóis, poemas sufis, narrativas yorubás, tratados japoneses, mitos maoris a ensaios brasileiros. A Internet, agora com a adição da IA, é um caminho para esse ideal. Defender uma Internet única é reconhecer que, assim como o ar ou o conhecimento, certos bens se tornam menos úteis, ou mesmo inacessíveis, se fragmentados. O objetivo não é abolir fronteiras, é impedir que elas se tornem muros.
https://site.ufvjm.edu.br/cafeliterario/a-biblioteca-de-babel-jorge-luis-borges/
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John Gilmore
https://en.wikipedia.org/wiki/John_Gilmore_(activist)
https://en.wikipedia.org/wiki/Wall
https://en.wikipedia.org/wiki/File:Perfectwall.jpg
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